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2 de dezembro de 2016
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10:00

Palavraria e Sapere, e se…

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Sul 21
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Por Nelson Rego

Livrarias são pontes e túneis: livros dão passagem desta existência para outra. A outra existência é esta mesma de aqui e de agora: livros mudam nosso jeito de ver a existência, a existência vira outra.

Livrarias são pontes, há passagens que devem ser feitas a céu aberto, olhos atentos para as paisagens. Túneis, algumas passagens pedem segredo.

Algumas livrarias são mais: são Sapere, Palavraria. Nelas, as passagens se multiplicam. Nelas, aqueles que (se) encontram (em) livros encontram outros que também procuram: há mesas e café e tempo para conversar. E pessoas que lá trabalham e conhecem de verdade e amam o seu trabalho: os livros, as mesas, o café, os que procuram esse outro tempo para conversar com os seus iguais. Passagens.

Palavraria e Sapere fecharam suas portas. Como assim, fecharam as portas? Se Palavraria e Sapere foram lugares para tantos saraus, clubes de leitores, cursos, feiras além da Feira e encontros da crítica com os escritores, se venderam muitos livros e bastante e bom café, como assim, encerraram atividades e passagens entre a Cidade Baixa e o Bom Fim através da Redenção?

Será que encerraram mesmo? É definitivo? Eu sei, é caro o aluguel de espaços de bom tamanho entre o Bom Fim e a Cidade Baixa e há outros custos e a redobrada insegurança de ter portas abertas para as calçadas. E há o novo livro feito de bytes que dispensa o lugar feito de estantes, poltronas, sossego, gentileza, cálice de vinho. Será que dispensa mesmo?

Novos tempos e problemas não exigem novas perspectivas? Será que o patrimônio construído por Sapere e Palavraria não pertence a todos esses que já estão saudosos das passagens e dos encontros tão poucos dias após as portas fechadas? Esse patrimônio não merece ser pensado de outro modo?

E se os muitos amigos de Sapere e Palavraria formarem o clube que na verdade já existe e se quinhentas pessoas doarem (para si próprias) vinte reais por mês? E se mil ou duas mil? E se forem trinta reais? E se os alugueis forem pagos por esse clube que na verdade já existe e os livros, as passagens e os encontros continuarem nos dois lados do Parque?

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Aconteceram livros

Esses objetos que se pode ter em mãos, dar-se a eles o ritmo variável de leitura desejado, voltar páginas. Segurar esse objeto sem olhar para ele – olhando para qualquer outro lugar, porque esse outro lugar estava nele, o livro, quer ele fosse a Divina Comédia ou um livrinho qualquer. Os livros têm essa generosidade, eles nos introduzem o mundo enquanto nos introduzem ao mundo, e tudo isso – o mundo – no ritmo que escolhermos para a relação amorosa entre os dedos e as páginas.

Literatura

Maneira de procurar almas gêmeas através dos séculos.

Topografia subjetiva

O movimento para dentro remete para o fundo e para o alto, que levam mais para dentro, que lança de volta para o mundo.

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Nelson Rego é escritor. http://www.nelsonrego.art.br/. Professor no Departamento e no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Sua coluna é publicada quinzenalmente no Sul21.


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