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16 de dezembro de 2016
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09:30

Boa noite, Palavraria e Sapere. Até amanhã.

Por
Sul 21
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Por Nelson Rego

Se preferir em ordem cronológica, leia de baixo para cima. Se preferir em flashback, leia de cima para baixo.

Comunicado aos amigos da Palavraria (divulgado por Carla, Carlos e Heron em 8 de dezembro)

Diante da notícia de fechamento da Palavraria em 30 de dezembro, temos recebido inúmeras manifestações de apoio, solidariedade e tristeza.

Mantivemos silêncio. Um silêncio carregado de emoção e de uma certeza: a de que tínhamos feito aquilo que pretendíamos quando abrimos a livraria.

Essa decisão foi difícil, pois nessa década construímos afetividades em uma jornada que transformou os palavreiros em uma grande comunidade.

Sempre mantivemos o firme propósito de integrar os livros às pessoas, servindo como ponte para a apresentação das mais diversas manifestações culturais, propiciando interação de todos aqueles que frequentam a Palavraria.

Mas é um ciclo que termina, pelo menos para nós, enquanto proprietários, e por isso colocamos a Palavraria à venda. Mas ela poderá continuar com outras pessoas.

Integramo-nos a todas as manifestações de apoio às livrarias independentes, que dão cor e vida aos bairros da cidade, e abraçamos os amigos.

Carla Osório, Carlos Luiz da Silva, Luiz Heron da Silva

Porto Alegre, dezembro de 2016

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Relato da reunião de amigos das livrarias Sapere e Palavraria ocorrida em 6 de dezembro

Foi comunicado o resultado dos contatos feitos com Carlos Cartell, da Sapere, e Carla Osório, Carlos Luiz da Silva e Luiz Heron da Silva, da Palavraria. Eles se declararam emocionados com as manifestações acontecidas e com a mobilização em prol das livrarias. Porém, comunicaram que as decisões estão fundamentadas também na necessidade do descanso após as já longas jornadas de existência de suas livrarias.

Enfatizaram que consideram vital a iniciativa da constituição de um grupo de apoiadores e que a mobilização deve prosseguir em favor de livrarias que venham a assumir o papel de promotoras de eventos literários similar àquele desempenhado por Sapere e Palavraria.

Em vista disso, o grupo reunido na noite do dia 6 deliberou que a próxima ação deve ser a de acompanhar o transcorrer das negociações que talvez possibilitem a continuação da Palavraria sob a direção de novos proprietários. Se essa alternativa for confirmada, poderá ser estabelecido um diálogo com os novos responsáveis pela Palavraria, verificando se estes gostariam de contar com o apoio de um grupo de amigos da livraria.

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Palavraria e Sapere, e se… (texto publicado na coluna em 2 de dezembro)

Livrarias são pontes e túneis: livros dão passagem desta existência para outra. A outra existência é esta mesma de aqui e de agora: livros mudam nosso jeito de ver a existência, a existência vira outra.

Livrarias são pontes, há passagens que devem ser feitas a céu aberto, olhos atentos para as paisagens. Túneis, algumas passagens pedem segredo.

Algumas livrarias são mais: são Sapere, Palavraria. Nelas, as passagens se multiplicam. Nelas, aqueles que (se) encontram (em) livros encontram outros que também procuram: há mesas e café e tempo para conversar. E pessoas que lá trabalham e conhecem de verdade e amam o seu trabalho: os livros, as mesas, o café, os que procuram esse outro tempo para conversar com os seus iguais. Passagens.

Palavraria e Sapere fecharam suas portas. Como assim, fecharam as portas? Se Palavraria e Sapere foram lugares para tantos saraus, clubes de leitores, cursos, feiras além da Feira e encontros da crítica com os escritores, se venderam muitos livros e bastante e bom café, como assim, encerraram atividades e passagens entre a Cidade Baixa e o Bom Fim através da Redenção?

Será que encerraram mesmo? É definitivo? Eu sei, é caro o aluguel de espaços de bom tamanho entre o Bom Fim e a Cidade Baixa e há outros custos e a redobrada insegurança de ter portas abertas para as calçadas. E há o novo livro feito de bytes que dispensa o lugar feito de estantes, poltronas, sossego, gentileza, cálice de vinho. Será que dispensa mesmo?

Novos tempos e problemas não exigem novas perspectivas? Será que o patrimônio construído por Sapere e Palavraria não pertence a todos esses que já estão saudosos das passagens e dos encontros tão poucos dias após as portas fechadas? Esse patrimônio não merece ser pensado de outro modo?

E se os muitos amigos de Sapere e Palavraria formarem o clube que na verdade já existe e se quinhentas pessoas doarem (para si próprias) vinte reais por mês? E se mil ou duas mil? E se forem trinta reais? E se os alugueis forem pagos por esse clube que na verdade já existe e os livros, as passagens e os encontros continuarem nos dois lados do Parque?

Labirinto de livros de Marcos Saboya e Gualter Pupo
Labirinto de livros de Marcos Saboya e Gualter Pupo

Aconteceram livros

Esses objetos que se pode ter em mãos, dar-se a eles o ritmo variável de leitura desejado, voltar páginas. Segurar esse objeto sem olhar para ele – olhando para qualquer outro lugar, porque esse outro lugar estava nele, o livro, quer ele fosse a Divina Comédia ou um livrinho qualquer. Os livros têm essa generosidade, eles nos introduzem o mundo enquanto nos introduzem ao mundo, e tudo isso – o mundo – no ritmo que escolhermos para a relação amorosa entre os dedos e as páginas.

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Nelson Rego é escritor. http://www.nelsonrego.art.br/ Professor no Departamento e no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Sua coluna é publicada quinzenalmente no Sul21.


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