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21 de outubro de 2016
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10:00

Vale a pena ver de novo?

Por
Sul 21
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Por Nelson Rego

Ah, os bordões reacionários… Quer visitar uma das alternativas do futuro? Pesquise velhos jornais nos arquivos. Em 1963 – “O Brasil está à beira do abismo”. Após 31 de março de 64 – “O Brasil deu o passo adiante”…

Domínio absoluto?

Publiquei o texto abaixo em 17 de março aqui no Sul21. A sequência está acontecendo com algumas alterações na ordem dos fatores, mas basicamente…

É preciso retirar da operação limpeza em curso a suspeita de que seja limpeza suja. Essa é uma condição necessária para implantar o domínio absoluto. Então, toca a defenestrar Eduardo Cunha para criar a imagem de limpeza que varre imparcialmente à direita e à esquerda e que poderá ser vendida como limpeza limpa. Apagar por completo a suspeita de limpeza suja não é possível, mas dá para reduzir a uma manchinha: 1) não noticiar as denúncias do embuste; 2) ridicularizar quem denuncie o embuste, pois quem denunciar ou está protegendo Cunha (solidariedade entre ladrões?), ou está alucinando teorias da conspiração, ou está carente de objetividade, pois como será possível relativizar qualquer coisa em relação ao asqueroso abandonado até por seus pares?

Eduardo Cunha é o óbvio bezerro a ser imolado, ele é uma quase unanimidade para a vontade nacional de acender fogueiras. O sacrifício pequeno executado à direita abrirá caminho para o grande abate à esquerda feito com a imagem de tratar-se de limpeza limpa. A bancada da bala e outras bancadas não necessitam de incentivos extras, mas os indecisos do Congresso Nacional estarão municiados pela sequência de orgasmos em crescendo da chamada grande mídia para aderirem ao estardalhaço da Mega Onda – o impeachment de Dilma será líquido e certo. Qual indeciso se arriscará a ser tachado de inimigo da limpeza? Lula será julgado e condenado todos os dias até 2018 e além. No devido tempo, o sacrificado bezerro Eduardo Cunha será recompensado com algum acordo discreto, magnânimo e ignorado pela Mega Onda da limpeza seletiva empenhada em passar desinfetante só em algumas sujeiras. Nunca a diretriz sobre os dois pesos, duas medidas foi e continuará sendo tão praticada, tão denunciada por mídias alternativas e tão varrida para baixo do tapete pelo oligopólio de outras e mais poderosas mídias, aquelas que invadem os lares.

Realizada a limpeza suja com imagem de limpeza limpa, restará um probleminha: o projeto para tirar o país da crise. Bom, imagem é tudo ou quase tudo ou pelo menos muito, não é? A solução da crise pode ser encaminhada com imagens radiosas do novo dia. Um governo purificado terá legitimidade, isto é, elogios midiáticos, para lançar mão das reservas cambiais. De uma hora para outra, tchau, recessão. Mais orgasmos. Mais pedras para jogar em cima de qualquer um que possa ser acusado de semelhança ideológica com os removidos pela Mega Onda, até 2018 e além.

O prato mais cobiçado é o pré-sal. Desacredite-se de vez a Petrobrás e conceda-se a exploração do pré-sal para as empresas petrolíferas internacionais. Quem se importa em não legar trilhões para etéreas ideias sobre soberania nacional e gerações futuras se é mais palpável agarrar uns trocos bilionários agora? Quanta produção de imagens eufóricas do dia de hoje poderá ser paga com o troco do troco? Imagem é tudo ou quase tudo ou pelo menos muito: o que importará a volta da política que leva ao recrudescimento da concentração da renda e o retorno de muitos para o lado de baixo da linha da pobreza se uma imagem global pode anular a multiplicidade de evidências locais apartadas da possibilidade de se tornarem imagens também globais? A re-re-re-reeleição dos heróis e herdeiros da Mega Onda estará garantida pela ditadura perfeita da democracia formal assentada sobre o controle da representação do mundo. Quem disse que a insustentabilidade do imediatismo não pode ser um projeto sustentado por longo prazo?

Nos seus propícios momentos:

1. A lei antiterror passará a ser aplicada contra estudantes que reivindicarem escolas públicas decentes;

2. Uma disseminação sem precedentes de obscenidades invadirá a internet, o que justificará que ela seja posta em definitivo controle por algum departamento alinhado com a, digamos, correta representação do mundo;

3. Greve se tornará crime hediondo;

4. E tais coisas.

Mas será mesmo? Existe a luta e há quem diga que imagem-engrenagem-torpeza não é tudo, não é quase tudo, ainda que seja muito. Há quem acredite que meias verdades repetidas durante todo o dia por todos os dias não anulam a multiplicidade de evidências contrárias. Há quem pratique a frase de contrapor à ação uma reação. E há quem aposte que a verdade é forte o bastante para emergir através das rachaduras abertas pelo choque entre mentiras contrárias. Há quem demonstre que a acusação desnuda o próprio acusador, o bumerangue pode acertar a testa de quem o arremessou. Muito está a se esfarelar, inclusive os esfareladores da pequena democracia.

Há quem diga que frases feitas são isso mesmo: feitas, podem acontecer. Em contraponto aos dois pesos, duas medidas: o tiro pode sair pela culatra.

Sugestão de leitura:

https://www.sul21.com.br/jornal/falta-pouco-para-a-ditadura-com-urna-e-voto/

Fotografia de Juliana Sommer
Fotografia de Juliana Sommer

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Nelson Rego é escritor. http://www.nelsonrego.art.br/. Professor no Departamento e no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Sua coluna é publicada quinzenalmente no Sul21.


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