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7 de outubro de 2016
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10:30

Pensam que os brasileiros são mentecaptos?

Por
Sul 21
[email protected]

Por Nelson Rego

O bizarro português de um programa de tradução automática não desqualifica a mensagem, ao contrário, torna-a até mais verossímil para quem estiver inclinado a deixar-se capturar pela esperança de uma boa sorte súbita e fantástica (“Oh, veja só o esforço da senhora Yvonne para superar a dificuldade com a língua!”). Sem dúvida, o remetente, quem quer que ele seja de fato, aposta na chance de encontrar completos trouxas entre os recebedores:

Mensagem encaminhada de [email protected]

Data: Thu, 18 Aug 2016 19:27:28 +0000 (UTC)
De: Yvonne Zaza <[email protected]>

Responder para: Yvonne Zaza <[email protected]>
Assunto: Saudações

Saudações

Estou em contato com você com base em seus bons perfis que li e por boas razões, estou em busca de um imóvel para comprar em seu país, como eu pretendia vir para o seu país para investimento, embora eu não me encontrei com você antes mas acredito que um tem que arriscar confiar em alguém para ter sucesso às vezes na vida.

Meu nome é Sra. Yvonne Zaza. Meus ofertas falecido marido sobre o petróleo bruto com o Governo Federal do Sudão e ele tem uma empresa de petróleo pessoal na cidade de zona Bentiu Oil e Alta Cidade Nilo. O que eu tenho experiência fisicamente, eu não gostaria de experimentá-lo novamente na minha vida devido à recente guerra étnica causa civil, através do nosso Presidente Sr. Salva Kiir e o líder rebelde Sr. Riek Machar, tenho sido sob campo de refúgio das Nações Unidas no Chade para salvar a minha vida e a de minha filhinha.

Embora, eu não sei como você vai se sentir à minha proposta, mas a verdade é que eu sneeked para o Chade nosso país vizinho onde eu estou vivendo agora como um refugiado.

Eu escapei com a minha filha pequena quando os rebeldes em nossa casa em 21/04/2014 e matou meu marido como um dos negociantes de óleo grandes no país, desde então, tenho de estar na corrida.

Deixei o meu país e mover-se para Chade nosso país vizinho com o pequeno cessar-fogo que tivemos, devido à face a face acordo de reunião de paz coordenada pelo secretário de Estado americano, John Kerry e das Nações Unidas na Etiópia (Addis Ababa) entre o nosso presidente Sr. Salva Kiir e o líder rebelde Sr. Riek Machar para parar esta guerra.

Quero solicitar a sua parceria com a confiança de investir os dólares $ 8 milhões depositados por meu falecido marido porque minha vida não é mais seguro no nosso country, uma vez que os rebeldes estão procurando as famílias de todos os homens de negócios de petróleo no país para matar, dizendo que são elas que está ordenhando a seco país.

Vou oferecer-lhe 20% do total do fundo a sua ajuda enquanto eu fará parceria com você para o investimento no seu país.

Vou esperar para ouvir de você, de modo a lhe dar mais detalhes.

Com amor de Sra. Yvonne.

O completo trouxa morderá a isca e responderá à fragilizada e rica senhora Yvonne, que escreverá de volta ao trouxa, contando-lhe os detalhes envolventes da lacrimosa história.

Além do risco de ficar com o seu endereço eletrônico grampeado, ávido por ganhar os 20% da fortuna e sentindo-se de alma leve, solidária e justificada por ajudar a senhora Yvonne a conquistar seus milhões de dólares (que por certo serão doados, em parte, às pobres criancinhas), o completo trouxa depositará algumas centenas de reais na conta bancária informada pela boa senhora, a título de tornar possível o contrato cartorial necessário à efetivação da parceria.

Os contos e golpes da herança bloqueada ou do bilhete premiado, e outros estelionatos congêneres, existem desde que levas de interioranos passaram a desembarcar diariamente nas estações ferroviárias das cidades grandes e serem abordados pela fauna dos espertalhões urbanos. Causa espanto que, após um século, se não dois, ainda tantos se deixem enredar pelas novas e eletrônicas versões dos velhos contos, capturados pela fusão do apelo à solidariedade com a cobiça.

Meus amigos hackers dizem que o Brasil é um país detentor de sintomática primazia: nós, brasileiros, recebemos torrentes de mensagens internéticas como essa da prestimosa senhora Yvonne.

Os irmãos do mundo inteiro estão pensando o quê? Que nós, brasileiros, somos completos trouxas? Por quê? Baseados em quais fatos? Não vejo motivos para irmãos estrangeiros pensarem isso de nós. Motivos eles teriam se no Brasil abundassem pessoas com uma ou mais destes atributos:

— Coxinhas que batem panelas pela punição dos corruptos, desde que sejam os corruptos do lado de lá e não os corruptos do próprio lado.

— Esquerdistas que acreditam em ídolos que, por algum indecifrável desígnio (divino?), estariam acima da condição humana e seriam imunes à corrupção que tanto mais acompanha o poder quanto mais o poder se torna impermeável à observação externa.

— Apreciadores da Veja, da Globo e similares, que confiam que, após incriminar políticos do PT, a Lava-Jato prosseguirá sob os holofotes da mídia e punirá também membros do PSDB, do PMDB e dos outros vários partidos envolvidos.

— Fãs da mídia praticante da indignação seletiva, crentes de que esta mídia se empenhará tanto na elucidação do “caso” Zelotes quanto se empenha em manchetes sobre outros interesses.

— Fiéis que confiam que a maior parte do dízimo entregue a malafaias e assemelhados vai mesmo para obras de caridade.

— Imbecis que confundem uma crítica ao capitalismo com uma declaração de apreço à estupidez stalinista.

— Admiradores de agentes da Lei tão estranhamente seletivos quanto a mídia que tece louvores aos tais agentes.

E então? Há abundância de gente assim pelas terras brasileiras? Há motivos para a senhora Yvonne apostar na chance de encontrar legiões de completos trouxas em nosso país? Acho que a senhora Yvonne está perdendo o seu tempo, não está?

Collage de Mariah de Olivieri
Collage de Mariah de Olivieri

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Nelson Rego é escritor. http://www.nelsonrego.art.br/. Professor no Departamento e no Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Sua coluna é publicada quinzenalmente no Sul21.


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