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1 de novembro de 2017
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12:03

Romeu e Julieta, versão brasileira

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Sul 21
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Romeu e Julieta, versão brasileira
Romeu e Julieta, versão brasileira
O grande dilema do século XXI tem sido a intolerância, os choques culturais, religiosos e ideológicos, como se revivêssemos o tempo da cruzadas onde as civilizações antagônicas se digladiavam até o fim.  (“L’ultimo bacio dato a Giulietta da Romeo”, por Francesco Hayez, 1823)

Montserrat Martins

Romeu e Julieta é um clássico, mas poderia ter uma versão brasileira, bem atual, em que são filhos respectivamente de um taxista e um motorista de Uber, que dependem desses trabalhos para sustentar suas famílias. Com todas as polêmicas desse embate, com a carga emocional romanceada, cujas possibilidades extremas vão desde a família passar fome até ser feliz no amor.

Também poderiam ser filhos de um mortadela e um coxinha, um drama social. Ou de torcidas organizadas rivais, o que na realidade brasileira costuma ser mais violento ainda. No extremo da tragédia, pior porque mais realista que a rixa entre os Montéquios e os Capuletos, seriam de famílias envolvidas com os “Bala” e com os “Anti-Bala”, respectivamente, na periferia de Porto Alegre – a forma local de terrorismo, de violência sem limites.

As grandes audiências da TV brasileira são as novelas e o futebol, ambos movidos a rivalidades. Toda novela tem um “quê” shakespeariano, um conflito que é o obstáculo para um grande amor. Também tem um grande vilão, que na versão brasileira teria características de um Temer, ou um Gilmar Mendes.

Precisamos da arte para dramatizar nossas emoções, nossos ódios, mas também para nos mostrar o reverso da moeda – as melhores novelas, os melhores romances, têm personagem mais ricos, mais complexos, com suas “lutas internas” entre o bem e o mal. Ao contrário das novelas mexicanas – as mais exageradas e maniqueístas – os roteiros de Hollywood mostram personagens menos previsíveis, capazes às vezes de nos surpreender com “viradas” na história entre suas trajetórias para o bem, ou para o mal. Os heróis também tem defeitos – e contradições morais – e os bandidos também tem virtudes. São esses paradoxos que os tornam mais verdadeiros, mais humanos.

Um poder mágico da arte é nos fazer transitar pela alteridade, pelo mundo do “outro”, de podermos “viver” nos filmes papéis que não teríamos coragem de assumir na vida real, podemos torcer para o ladrão de banco não ser preso, nos identificar com aquela gangue que foge com o dinheiro, ou viver uma vida de aventuras, seja de que jeito for, enquanto durar o filme, antes de voltarmos para nossas vidas, mais previsíveis e limitadas.

O grande dilema do século XXI tem sido a intolerância, os choques culturais, religiosos e ideológicos, como se revivêssemos o tempo da cruzadas onde as civilizações antagônicas se digladiavam até o fim. No pós-guerra, na metade do século XX, a racionalidade “segurou” a “Guerra Fria” e impediu uma guerra nuclear. A volta da intolerância e dos fanatismos, da incapacidade de empatia com o “outro lado”, requer diariamente muita arte para nos ajudar a conviver com o diferente.

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Montserrat Martins é médico e bacharel em ciências jurídicas e sociais.

 


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