Colunas>Montserrat Martins
|
16 de outubro de 2017
|
13:21

Direito da Maria ao próprio corpo

Por
Sul 21
[email protected]

Montserrat Martins

Na China, a tradição é que os filhos homens sustentem os pais, enquanto as mulheres são absorvidas pela família do marido. Outro hábito é o de um só filho por família, lei que o governo chinês extinguiu há dois anos, pela falta de mulheres no país, mas a tradição é forte. O drama chinês é o assassinato de nascituras ou bebês do sexo feminino, pois os casais querem garantir um filho homem para lhes cuidar na velhice.

Há milhares de páginas na internet sobre o direito da mulher ao próprio corpo. A mulher que mais precisa desse direito vamos chamar de Katakana (pronúncia em chinês para o nome Maria), recém-nascida ou nascitura, que depende do direito ao próprio corpo para poder viver.

Quem iria se importar com o direito de nascer da Maria chinesa? Estamos em crise econômica, as pessoas lutam pela sua subsistência e de seus próprios filhos, pelo emprego, com crise na segurança e na saúde. Que diferença faz para as pessoas, hoje, se uma criança tem direito de nascer? Será uma mera reflexão filosófica em semana do Dia das Crianças?

Katakana tem espaço nesse mundo pragmático e violento de hoje? Trump diz que vai varrer a Coréia do Norte do mapa se não pararem os testes nucleares e o ditador Kim Jong-Un segue desafiando, isso já virou lugar comum nos noticiários, parecem notícias “normais” de hoje, como o Estado Islâmico, os malucos americanos que matam dezenas a tiros, etc.

No Brasil, a desilusão é grande e o espirito pragmático é maior ainda, ninguém parece interessado em direitos humanos e cresce o número dos eleitores do Bolsonaro, que prega como solução a violência conta a violência.

Quem se importaria com um ser vulnerável como Katakana? Um paradoxo interessante é que na guerra ideológica entre direita e esquerda um grupo é a favor da pena de morte e outro a favor do aborto, justificados respectivamente pela proteção às vítimas que os bandidos seguiriam fazendo e a proteção ao corpo da mulher, do seu direito ao próprio corpo. E o direito ao corpo da Maria chinesa, quem defende?

Crianças são seres vulneráveis, desprotegidos, e a sensibilidade humana, independentemente das ideologias, é suscitada pela vulnerabilidade. Crianças, idosos, pessoas com as mais diversas formas de fragilidade, são capazes de nos enternecer. As vítimas de acidentes ou de assassinatos nos unem, como os jogadores da Chapecoense ou as crianças da creche queimada chocaram os brasileiros e o mundo.

Temos problemas demais a resolver e o pragmatismo – que é a suspensão da sensibilidade para tomar decisões “necessárias” – talvez seja inevitável. Mas só seremos de fato mais civilizados, evoluídos, quando Maria tiver direito ao seu corpo.

***

Montserrat Martins é médico e bacharel em ciências jurídicas e sociais.

 


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora