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9 de setembro de 2017
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10:30

Eu sou o Dougras, você não é o Dougras

Por
Sul 21
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Eu sou o Dougras, você não é o Dougras
Eu sou o Dougras, você não é o Dougras

Montserrat Martins

Um milhão e meio de acessos no YouTube já tem um cara pobre, desdentado e com aparente retardo, repetindo “Eu sou o Dougras, você não é o Dougras”, como se fosse o refrão de uma música. Mudando de assunto a cada 5 segundos de modo desconexo, o Dougras tem retardo cognitivo mas talvez seja superdotado em autoestima, porque comemora não só o fato de ser o Dougras, como ainda debocha de nós por não sermos o Dougras. Quem não seria feliz com uma autoestima dessas?

De que adianta você ser super inteligente, intelectual, crítico, se é infeliz, depressivo, pessimista? Já existe até o Dougras parte 3 no YouTube onde ele aproveita a fama para pedir dinheiro para os dentes. Mas a falta de um dente frontal não impede sua alegria de viver nem de nos gozar porque “você não é o Dougras”.

Dougras é um exemplo a seguir nesse momento em que a autoestima nacional está no fundo do poço. Tiramos um governo acusado de corrupção, que foi sucedido por um corrupto mais descarado ainda. O povo foi às ruas para tirar um governo que tinha um dígito de aprovação e agora parece envergonhado com um governo com índices ainda maiores de rejeição. A gasolina sobe na mesma semana que o governo compra votos para não ser deposto, estourando o orçamento com emendas para comprar congressistas. Vemos no noticiário malas de 500 mil semanais para o Presidente e o TSE absolve ele por 4 a 3 como se faltassem provas. Nós, “brasil-sapiens”, estamos nos sentido mais “avacalhados” que qualquer outra espécime do planeta. Joaquim Barbosa expressou isso ao dizer que em nenhum país do mundo um governante permaneceria no poder após denúncias tão graves. Pois Dougras, com seu retardo cognitivo, talvez não seja digno de deboches mas sim de inspiração.

Diziam que Garrincha era retardado, um psicólogo queria vetar a participação dele na Seleção Brasileira, mas felizmente o vetado foi o psicólogo e o Brasil foi bicampeão mundial com Garrincha ao lado de Pelé em 58 e 62, nossos primeiros títulos. Depois descobriram a inteligência cinestésica, ou inteligência dos movimentos, da coordenação do corpo, onde Garrincha certamente foi genial e imprevisível. Hoje se sabe que há muitas formas específicas de inteligência, a matemática (já houve filme sobre um autista gênio em matemática), a musical, a emocional, a relacional. Deve existir uma forma de inteligência autoestimal, aquela em que o Dougras é superdotado. E de todas as formas com certeza ela é a mais importante para a felicidade individual. O Dougras não vai desistir até alguém patrocinar os dentes dele, ele chega lá. Precisamos do amor próprio dele para não nos afundarmos na depreciação da nossa espécie nacional. Eu não sou o Dougras, você não é o Dougras, mas que o Dougras dê alegria, objetivos e coragem a todos nós!

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Montserrat Martins é médico e bacharel em ciências jurídicas e sociais.


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