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5 de abril de 2021
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17:23

EPTC 23 Anos – mais Estado, mais cidadania!

Por
Sul 21
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EPTC 23 Anos – mais Estado, mais cidadania!
EPTC 23 Anos – mais Estado, mais cidadania!
Agente da EPTC em campanha educativa no centro de Porto Alegre. Foto: Alex Rocha/PMPA

Mauri Cruz (*)

Tenho sentido necessidade de escrever sobre nosso passado recente como forma de organizar a memória histórica para as atuais e futuras gerações. Não foi pouco o que vivemos e fizemos no período de 1980 a 2014. São anos que nos enchem de orgulho e satisfação por termos tido a coragem e a inteligência coletiva de desafiar o destino à época prescrito e construir um outro amanhã.

Dentre estas experiências está o tema do transporte coletivo de Porto Alegre. Muitos de nós ainda se lembram dos transportes coletivos no final dos anos 80. Ônibus velhos, péssimo atendimento, tarifas irreais, conflito entre as empresas operadoras que disputavam entre si cada passageiro gerando caos e desorganização. Foi neste ambiente que elegemos Olívio Dutra prefeito em 1988, mesmo ano da promulgação da nova Constituição Federal, mas essa história eu conto outro dia.

Já no primeiro mês de Governo Popular as empresas lideradas pela Associação dos Transportadores de Passageiros (ATP) pediram aumento de tarifa e ameaçaram locaute, caso o Prefeito não concedesse o aumento. A medida necessária foi a intervenção nas principais empresas privadas, com o importante apoio da BM do Governo Pedro Simon, diga-se de passagem. Foram meses de intervenção, conhecendo a realidade dos custos das empresas, o desequilíbrio econômico do sistema, as desigualdades de tratamento em cada região e as consequências de uma frota envelhecida. Foi necessário o plus tarifário, valor pago pelos usuários na tarifa, mas que só poderia ser usado na necessária renovação da frota. Com o tempo, a frota foi renovada, os custos ajustados e os serviços começaram a melhorar.

Ao final da intervenção o saldo foi altamente positivo. A Prefeitura tinha alto grau de informação sobre a operação dos serviços, suas ineficiências e, principalmente, os problemas decorrentes de uma gestão privada dos custos. Devolvidas as empresas aos seus proprietários o cenário era outro: fortalecimento da Cia. Carris como empresa operadora das linhas transversais, nova equação na comercialização e gestão do Vale Transportes e do Passe Escolar, fortalecimento da SMT como órgão público gestor dos serviços.

Importante relembrar que estamos nos anos de 1991/1993 quando a inflação era calculada mensalmente, portanto, tínhamos reajustes de salários, diesel, pneus e demais insumos todos os dias e, como consequência, novos valores tarifários. Todas estas discussões passando pelo Conselho Municipal de Transporte Urbano (COMTU) e pelas plenárias regionais e temáticas do Orçamento Participativo o que, além de permitir transparência nos dados e informações, constituía um ambiente para busca constante por de saídas e alternativas.

Além do fortalecimento da SMT e da Carris, uma das principais medidas, neste período, foi a criação dos consórcios operacionais visando eliminar a concorrência entre as próprias empresas privadas que atuavam numa mesma região. Como sabe-se, serviços que são prestados em rede não devem ser aberto a livre concorrência porque esse modelo gera pesados custos que acabam sendo, ao final, pagos pelos próprios usuários. Imaginem ter três redes de água passando em frente de sua casa para que você tenha a “liberdade de escolha” sobre qual delas vais usar. Um contrassenso. Os custos de implantação das três redes certamente irá faltar onde não há demanda para sequer uma rede, mas onde há pessoas que também pagam impostos e que tem o mesmo direito de acesso universal a água.

Importante neste período é que, com a eliminação da concorrência privada restaram recursos para criar novas linhas, ampliar linhas existentes, renovar a frota e ainda substituir os abrigos dos corredores exclusivos de ônibus que haviam sido construídos no início da década de 70. Nacionalmente estávamos vivendo o auge dos governos FHC suas privatizações e discursos privatizantes. Porto Alegre se opunha a este modelo, qualificando seu sistema através de uma gestão pública eficiente e da participação popular.

Finalizada esta etapa era preciso dar um passo a mais. A qualidade dos serviços, embora houvesse melhorado bastante, ainda não atendia a necessidade da população. Diminuída a concorrência intrasistema, ainda havia concorrência das empresas privadas com o Sistema de Lotações que era representado pela Associação dos Transportadores de Lotações (ATL) e até mesmo disputas com os Serviços de Transporte Escolar representados pelo Sindicato dos Proprietários de Veículos Escolares (SINTEPA) e até mesmo com os serviços de taxis da cidade.

Para a Prefeitura não havia sentido a concorrência entre vários serviços públicos que deveriam, cada um a seu modo, atender de forma qualificada e integrada aos usuários da cidade. Em síntese, o novo modelo de gestão do sistema de transportes de Porto Alegre deveria garantir uma lógica de prestação de serviços públicos integrados e tendo como foco o interesse público na sua qualidade e nos preços.

A integração somente poderia ser viabilizada pelo próprio Poder Público através de um planejamento das redes articuladas entre si e, não menos importante, coerentes com as diretrizes do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (PDDUA) em discussão na Câmara de Vereadores. Soma-se a este momento, as inovações tecnológicas com a possibilidade de rastreamento dos veículos e das viagens através de Sistema de Posicionamento Global (GPS) e da bilhetagem eletrônica.

Com este intuíto é que em 1997 encaminhamos à Câmara de Vereadores e, num processo de intenso diálogo com todos os partidos que apoiavam o governo e os de oposição, aprovamos a Lei do novo Modelo de Transporte e Circulação (Lei 8.133/1998) que autorizou a Prefeitura criar a Empresa Pública de Transportes e Circulação (EPTC).

A principal função da EPTC era e é, gerir os sistemas de transportes de Porto Alegre visando sua integração e articulação, com preços justos e sem concorrência entre si. Para isso, a ferramenta mais importante é a gestão das tarifas através de uma Câmara de Compensação Tarifária (CCT). Há época, idealizamos um Cartão Mobilidade gerido pelo Banrisul e operado pela EPTC em parceria com os permissionários do transporte por ônibus, lotações e taxis. Um único cartão que desse acesso a todos os serviços de forma integrada. Mais que isso, que permitisse o subsídio cruzado de quem tem maior poder aquisitivo em relação a que tem menos. A lógica deste subsídio cruzado é justamente o entendimento de que todas as pessoas e todas as atividades econômicas se beneficiam dos serviços de transportes coletivos da cidade devendo contribuir com seu financiamento, não apenas os usuários diretos.

Quando assistimos aos governos federal, estadual e municipal pregarem a privatização dos serviços públicos essenciais nos perguntamos sobre que modelo de serviços estão pensando? Antes de privatizar é preciso conceber um modelo, um projeto, uma estratégia de prestação dos serviços, ou seja, privatizar não é um modelo, poderia no máximo ser um meio. Além disto, a prática mais comum do setor privado é se concentrar em obter lucros e não na garantia de direitos e de cidadania. Como diz aquela celebre frase: “Quando tudo for privado, seremos privados de tudo.”

Por isso, viva a EPTC e seus 23 anos de história. Porque, sem ela, Porto Alegre não seria a mesma. Certamente, seria bem pior.

(*) Advogado socioambiental, professor de direito a cidade e Mobilidade urbana, Diretor da EPTC de 1998 a 2000, membro do Conselho Diretor do Instituto IDhES e do CAMP, membro da Diretoria Executiva da Abong, sócio diretor da Usideias.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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