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19 de novembro de 2018
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17:27

Não tenha medo da política, nem da democracia!

Por
Sul 21
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Não tenha medo da política, nem da democracia!
Não tenha medo da política, nem da democracia!
Foto: Guilherme Santos/Sul21

Mauri Cruz (*)

Não tenho medo de discutir política. Tenho medo é quando as pessoas ficam propondo que não se discuta política na família, com a parentada, entre os amigos do peito, colegas de escola, no culto, na igreja, no futebol, no terreiro, com os colegas de trabalho ou com a vizinhança. Penso que nunca deveríamos nos furtar a discutir política. A política é um ato de liberdade, uma opção consciente ou não que todos fazemos no dia a dia desde de que acordamos até quando vamos dormir.

O ser humano vive em comunidade e, em comunidade, tudo é politica.

Eu tenho medo é da negação da politica. Da falsa ilusão de que é possível se viver a margem dela. Não é possível. Até mesmo a desmoralização da politica e dos políticos é um ato político.

Eu amo a política. Aprendi a conviver com ela e não sei me relacionar com as outras pessoas sem me dar conta que sempre, sempre mesmo, estou defendendo um ponto de vista, um interesse, um objetivo ou uma causa. Se você é um dos que fazem politica, sabe bem o que estou dizendo. Se você é uma das pessoas que somente sofre com a política dos outros, talvez não saiba. Pense, você está sofrendo as consequências por ignorar que tudo é política.

Dito isso, tenho prá mim que, parte da sociedade brasileira despertou para a política desde as mobilizações de 2013. Sim, é verdade, quem despertou foi a parte mais conservadora, que tem uma visão excludente da sociedade brasileira, que não fez a autocrítica da escravidão, que se enxerga como melhor que as outras classes sociais. Essa classe sempre esteve por aí, mas agora veio para o tabuleiro político, não simplesmente como eleitora de um projeto conservador que a representa, mas como sujeito social que pretende moldar a sociedade brasileira a sua imagem e semelhança.

E nós, a parcela progressista da sociedade que estávamos acostumados a fazer sozinha a luta politica contra as elites, sem que houvesse um campo político orgânico antagônico, ficamos meio confusos. Vivíamos a ilusão de que ser pobre, ser popular, já era uma premissa de ser progressista. Pois bem, a vida não é simples assim. Temos entre nós quem não concorda conosco.

Por isso eu gosto da política. Não me assusta nem mesmo as posições radicais, antagônicas. Me preocupa é o autoritarismo baseado no ódio e na negação do outro, do diferente. E, infelizmente, deste mal, não é só a direita que sofre. Tenho visto no campo da centro-esquerda pessoas que sonham em eliminar o outro lado. Imaginam um país sem adversários.

Pós eleição tenho tentado travar debates nos grupos onde, durante o processo eleitoral, o ambiente estava muito ácido. A ideia é tentar recuperar e manter um ambiente de embate sobre o nosso futuro. Há uma luta de classes e, sem alterarmos com a correlação de forças e ampliarmos o acúmulos de forças do campo popular, não teremos capacidade de reverter o jogo. E, como disse acima, as saídas autoritárias, tanto a direita como a esquerda, não me representam. E é agora que estamos por baixo que iremos demonstrar, na prática, nosso verdadeiro amor e apreço pela democracia. Sim, porque pregar o respeito as regras democráticas quando se ganha, é simples. É como aquele time que defende o juiz porque ganhou o jogo. Difícil é respeitar o resultado quando se sente injustiçado. Mas é aí que testamos nossos valores éticos.

O Brasil viverá um período bastante complexo, com sérios riscos as conquistas democráticas. Mas sou daqueles que acredita que esse momento era necessário para que fosse possível um amadurecimento da sociedade brasileira. É salutar que a parcela conservadora venha para a política, mostre sua cara, defenda seus verdadeiros valores e interesses. Para uma democracia real isso era necessário. Resta para nós a capacidade de aprofundar nossa capacidade de empatia e diálogo. Não economizar nos debates e, nunca nos comportarmos como pessoas prepotentes, que sabem mais das coisas que as demais. É preciso a capacidade de ouvir para entender o que se passa. Por isso, eu não gosto do “eu avisei”, prefiro um vamos lutar pela escola livre, pela saúde universal, pelo direito a moradia, pelo direito a previdência justa para todas e todos. Temos que gastar energia na linha de frente dos conflitos de classe que mobilizam, inclusive, aquela parcela que não pensa como nós. Fortalecer o antagonismo com base no preconceito não é uma escolha inteligente.

Alguns dirão que isso só é possível quando não sofremos risco de morte e assassinatos. Talvez. Mas durante os governos Lula e Dilma, quando nossa narrativa era de que estávamos aprofundando a democracia, mesmo neste período, não cessaram os assassinatos de nossas lideranças. Levantamento do MST e da CPT apontam uma média de 41 assassinatos no campo de 2003 a 2015, período dos governos de centro-esquerda. O próprio MTST apresentou levantamento indicando que, como Marielle Franco, foram assassinadas outras 24 lideranças comunitárias em 04 anos. Então, a opção pela radicalização de democracia não é uma escolha somente quando em tempos de paz. É uma escolha por um tipo de paz.

Não vejo saída para a humanidade fora da radicalização democrática. As opções que o capitalismo nos apresenta não terão a capacidade de resolver as crises que nos assolam e que devem se aprofundar. A humanidade será chamada, novamente, a buscar caminhos. Temos que alimentar e vivenciar os valores democráticos. Eles são a única opção que temos para enfrentar um capitalismo autoritário e que não serve para a maioria da humanidade.

(*) Advogado sócio-ambiental, especialista em direitos humanos, professor de pós graduação em direito a cidade, mobilidade urbana, gestão de organizações da sociedade civil. Membro do Conselho Diretor da Abong e do Conselho Internacional do FSM.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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