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16 de janeiro de 2017
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03:05

Unir as resistências de ontem e de hoje para construir um novo amanhã

Por
Luís Gomes
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Unir as resistências de ontem e de hoje para construir um novo amanhã
Unir as resistências de ontem e de hoje para construir um novo amanhã

por Mauri Cruz

O Fórum Social das Resistências é uma novidade na dinâmica dos Fóruns Sociais porque busca incorporar as inovações e aprendizados dos eventos temáticos anteriores realizados em Porto Alegre. A principal novidade é sua dinâmica de ampliar o universo das lutas para além dos limites da própria esquerda tradicional. A incorporação de forma efetiva das agendas dos povos em resistência contra o capitalismo há séculos, como indígenas e povos de matriz africana, bem como, a possibilidade de incluir de forma real, o protagonismo das juventudes, das lutas urbanas e dos vários movimentos das mulheres, por incrível que possa parecer no ambiente do FSM, é uma novidade.

Para se ter uma ideia, no processo de preparação do Fórum Social das Resistências, a primeira coisa que ouvimos foi a afirmação das representações dos povos Guaranis, Tupi, Charruas e Caingangues de que resistência não é uma agenda nova porque eles porque estão resistindo há 517 anos contra o extermínio de sua gente, em defesa de suas terras e de sua cultura ancestrais. Da mesma forma, as representações dos povos Jejê, Iorubás e Bantus nos fizeram reconhecer que eles resistem há 480 anos pelo reconhecimento de que foram sequestrados de suas terras e que, por isso, tem direito a reparação histórica pelos danos causados à gerações e gerações de descendentes dos povos, resistem lutando pela liberdade e pelo reconhecimento do valor de suas culturas e crenças para a formação da identidade do povo brasileiro.

Em Porto Alegre, desde 2014, a juventude negra e de periferia, inclusive, a juventude egressa do sistema prisional brasileiro, tem conquistado espaço para se fazer ouvir, não por discursos, mas pela música, dança, poesia hip hop, comunicação alternativa e presença nas atividades de convergências. É um lamente, um pedido de socorro, uma denuncia da parte mais cruel da chamada “democracia” do sistema capitalista brasileiro. A agenda desta crueldade nunca foi prioridade do campo democrático e popular. É estranho ter que reconhecer que, nos quatorze anos a população pobre encarcerada no Brasil duplicou. Cerca de 70% são jovens negros com ensino fundamental incompleto, mais de 40% são presos provisórios, sem condenação e o restante reclusos por crimes de baixa violência.

Se dizíamos, há alguns anos atrás, em debates e discursos realizados no FSM, que a luta anticapitalista não se resumia a luta entre capital e trabalho, hoje, essa verdade está em nossas plenárias, reuniões e atividades. Só que, esta incorporação de novas atrizes e atores não resolve, em si, a questão da unidade, da inclusão e incorporação de práticas e agendas novas. Principalmente, esta nova realidade não resolve a questão da estratégia de construção de outro mundo possível.

Aliás, sobre o debate de estratégia, tem retornado com força a convicção de que resistir contra a ofensiva neoliberal, fascista, patriarcal, racista e antidemocrática, a tarefa é reconquistar os territórios físicos e simbólicos que foram dominados pelo pensamento conservador. E, quando a temática é resistir em territórios, a experiência dos povos indígenas, quilombolas, das ocupações urbanas, das ocupações dos sem-terra e dos sem-teto são exemplares. Resistir em territórios físicos não é apenas ocupa-los, mas desenvolver uma nova relação com o ambiente e entre as pessoas. É ir construindo na prática os novos paradigmas que defendemos.

Da mesma forma, reconquistar os territórios simbólicos não é apenas uma afirmação teórica sobre democracia, equidade de gênero, respeito as diferenças, protagonismo das juventudes, equidade de direitos para pessoas com deficiência, respeito as crenças e valores da outra pessoa. É incorporar estas novos paradigmas em nosso fazer cotidiano. O simbólico não existe só na teoria. Ele precisa ser uma experiência viva, concreta. Precisa estar em nossa cultura como um valor real.

Neste momento da nossa história, a intolerância não está somente no lado do pensamento conservador. O sectarismo não é privilégio do pensamento da direita. E esta realidade pode ser um ingrediente de dificuldade maior para a construção da unidade, não só de projeto, mas também de ação.

Não queremos substituir uma forma de dominação por outra. Não queremos um mundo novo que não seja realmente novo, apenas troque a classe social que domina. A humanidade precisa construir um modo de vida que permita a inclusão de todas e todos, sem distinção. Isso não é um pensamento romântico, é uma necessidade histórica. Portanto, as bases para essa sociedade includente está no como pensamos, fazemos e construímos a transição de uma sociedade capitalista para uma sociedade pós-capitalista, humanitária, solidária, ambientalista e igualitária. Neste sentido, descobrimos, nos últimos vinte anos de experiências democráticas e populares na América Latina, que não basta ganhar governos, é preciso saber o que fazer para mexer nas estruturas de dominação capitalista. É preciso ter coragem para mudar, caso contrário, seremos meros mediadores dos conflitos de classes, sem promover mudanças estruturais.

Creio nos processos do Fórum Social Mundial como um laboratório para este processo de transição. Aqui, desde 2001, socializamos propostas, ideias, sonhos, desejos. Por causa dos Fóruns Sociais, experimentamos em nossos movimentos e em governos democrático, práticas novas que deram certo e incluíram milhões de pessoas numa realidade de mais direitos, concretamente. Por causa destes processos, apesar das profundas diferenças e divergências que existem entre nós, seguimos juntos, tentando encontrar pontos de encontros e superar os pontos de exclusão.

Como incluir, não só as agendas, mas o protagonismo real destas atrizes e atores que estão na linha de frente das lutas no mundo hoje? Como incluir, não numa perspectiva de uns contra os outros, mas de superação das desigualdades e de construção de uma nova sociedade radicalmente democrática, ambientalmente sustentável, econômica e socialmente justa? Penso que, se os processos do FSM não se colocam estas questões, aí sim, ele estrará afastando-se de seu papel histórico.

.oOo.

Mauri Cruz é advogado socioambiental com especialização em direitos humanos, professor de pós graduação em direito à cidade e mobilidade urbana, membro da diretoria executiva da Abong.


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