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9 de agosto de 2019
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14:34

Johnny Bravo com sangue nos olhos

Por
Sul 21
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Johnny Bravo com sangue nos olhos
Johnny Bravo com sangue nos olhos
Foto: Allan Santos/PR

Marcos Rolim (*)

Jair Bolsonaro se irrita frequentemente com a imprensa, porque, nas coletivas, sempre aparece um jornalista que lhe faz perguntas sobre temas que ele não gostaria de comentar. Nessas ocasiões, tem sido regra ele agredir os profissionais com expressões chulas e de rudeza ímpar para, ato contínuo, suspender a coletiva.

Em diferentes ocasiões, Bolsonaro já expôs jornalistas publicamente, lançando seus nomes à sanha de psicopatas que atuam nas redes sociais e que passam a ameaçar os profissionais e seus familiares. Com relação a Glenn Greenwald, fundador do site The Intercept, o presidente chegou a afirmar que se tratava de um “malandro” que se casou com outro “malandro” e que “adotou crianças aqui no Brasil”. Por isso, concluiu, Glenn “não presta nem para ser mandado para fora”, mas que ele poderia “pegar uma cana aqui mesmo” (Veja aqui: https://bit.ly/33kDPKT). Greenwald é casado com David Miranda há 14 anos. Miranda é, atualmente, deputado federal (PSOL/RJ). Para o presidente, entretanto, a união é apresentada como se fosse um artifício para barrar a extradição, enquanto a adoção de duas crianças, irmãos que estavam em um abrigo em Maceió (AL), um ato que qualquer ser humano normal identificaria como expressão de generosidade – surge, na fala presidencial, como parte de um plano criminal.

Estamos apenas no começo do governo, costumam lembrar os bolsonaristas. De fato, há tempo suficiente para que as coisas fiquem muito piores. A proverbial estupidez de Bolsonaro irá nos preparar pratos muito mais quentes, podem ter certeza. Os principais veículos de comunicação parecem, entretanto, anestesiados diante do tratamento prestado por Bolsonaro aos jornalistas. Para todos os efeitos, é como se a postura beligerante e ameaçadora de um chefe de Estado pudesse ser tratada como uma idiossincrasia. Órgãos de representação da categoria, por seu turno, lançaram notas públicas apontando o problema de fundo. A nota da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), por exemplo, afirmou: “Ao ameaçar de prisão um jornalista que publica informações que o desagradam, o presidente Bolsonaro promove e instiga graves agressões à liberdade de expressão. Sem jornalismo livre, as outras liberdades também morrerão”.

Na última segunda-feira, alguém perguntou a Bolsonaro sobre a indicação de seu filho para a embaixada dos EUA. O fato é, obviamente, matéria de interesse geral e fato jornalístico, seja pelo (des) critério da escolha, seja pelo anêmico “currículo” do indicado, no qual cabe até sua escola de ensino médio. Nessa ocasião, o presidente resolveu afirmar que a imprensa ainda não havia entendido que ele venceu as eleições. O disse, claro, do alto de sua cultura, afirmando: “Eu Johnny Bravo, Jair Bolsonaro, ganhou, (sic) PORRA”! E repetiu: “Ganhou, PORRA!” (Vejam aqui: https://bit.ly/2OK1WiJ). Bolsonaro não precisa conjugar corretamente os verbos, mas deveria saber que a vitória eleitoral em uma democracia não lhe confere superpoderes. Sua caneta bic, por exemplo, deve se curvar à Constituição e ao ordenamento jurídico, assim como às convenções e tratados internacionais.

Não me recordo de qualquer gestor público que tenha se referido a si mesmo com a alcunha de um personagem de desenho animado. Johnny Bravo é definido pela Wikipedia como: “musculoso, egocêntrico e vaidoso. Ele sempre usa óculos escuros… camiseta preta, calça jeans, e um grande topete loiro. Mulherengo, costuma ser rejeitado por quase todas as garotas que tenta conquistar por sua estupidez e modos desagradáveis”. Em um dos episódios da série, Johnny Bravo assume a prefeitura da cidade “por ser o mais idiota”. No poder, ele revela seu machismo, sua conivência com a corrupção, seu horror aos livros e sua firme disposição de derrubar florestas. Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é, diria Caetano.

Importa, e muito, saber como agir politicamente de modo a impedir que um Johnny Bravo com sangue nos olhos, profundamente comprometido com os porões da ditadura, sarjeta na qual encontrou seu alter ego Ustra, siga implementando sua agenda de desconstrução do Estado de Direito e de realização do “Estado de Natureza”. Nesse particular, os que têm denunciado as características fascistas presentes no bolsonarismo e que apontam, com razão, os riscos de ruptura do processo democrático, estão diante do desafio de extrair desses pressupostos todas suas consequências. A primeira delas é a de formar uma frente democrática com todos os partidos, entidades e personalidades dispostos a defender as garantias fundamentais, lutando para que essa frente tenha expressão político-eleitoral.

Vale dizer: quem fala em “unidade da esquerda”, nessa conjuntura, não tem a menor ideia da encrenca na qual o País se meteu. O desafio, de fato, é muito mais amplo e pode ser resumido no seguinte: ou deslocamos o centro político para uma perspectiva antifascista, ou o País será conduzido da perplexidade ao horror. É hora de a esquerda abdicar de suas pretensões hegemônicas, de atuar articuladamente com o centro democrático (o que, obviamente, inclui a direita liberal), de modo a derrotar eleitoralmente a extrema-direita e reduzir a legitimidade pública da barbárie, verdadeira agenda do fascismo.

(*) Doutor e mestre em Sociologia e jornalista. Presidente do Instituto Cidade Segura. Autor, entre outros, de “A Formação de Jovens Violentos: estudo sobre a etiologia da violência extrema” (Appris, 2016)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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