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14 de setembro de 2018
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19:16

O quartel de Abrantes

Por
Sul 21
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“O voto nominal ao Parlamento é a mãe e o pai da desgraça política que assola o Brasil”. (TSE)

Marcos Rolim (*)

O voto nominal ao Parlamento – “na pessoa”, como se costuma dizer – é a mãe e o pai da desgraça política que assola o Brasil. Ele é a porta larga pela qual o despreparo, a demagogia e a pilantragem se instalam. Uma campanha eleitoral é um momento de seleção política de projetos para o País. Como se faz isso com mais de mil campanhas em um só estado?

I. Irracionalidade

Sempre que acompanho a propaganda eleitoral no rádio e na TV, especialmente na parte reservada aos candidatos ao Parlamento, fico espantado com a irracionalidade do nosso modelo eleitoral. Mais espantado ainda quando percebo que essa insanidade virou paisagem. Contei 789 candidatos à Assembleia Legislativa no RS e 398 candidatos à Câmara Federal, já descontados os impugnados e as desistências. Ao todo, então, temos 1.187 campanhas proporcionais, cada um dos candidatos com direito a alguns segundos no rádio e na TV, onde devem dizer seu nome, número e uma ou duas frases sobre qualquer coisa. Alguns conseguem afirmar algo com sentido propriamente político. Esses poucos, entretanto, se dissolvem em meio a uma grande maioria cujas manifestações incluem apresentação pessoal, promessas, slogans, autos de fé, rimas, cantos, pedidos de confiança e uma série de outras posturas situadas na fronteira entre o ridículo e o patético. Haverá no mundo uma campanha eleitoral estruturada por regras tão absurdas?

Se alguém tem dúvida sobre o significado deletério do voto nominal para o Parlamento, sugiro que assistam à propaganda eleitoral gratuita. Já os que defendem esse sistema, deveriam ser obrigados a assistir a essa propaganda todos os dias durante quatro anos, pelo menos. Pensando melhor e tendo em conta os danos que o voto nominal causa ao Brasil, essa seria uma pena branda.

O voto nominal ao Parlamento – “na pessoa”, como se costuma dizer – é a mãe e o pai da desgraça política que assola o Brasil. Ele é a porta larga pela qual o despreparo, a demagogia e a pilantragem se instalam. Uma campanha eleitoral é um momento de seleção política de projetos para o País. Como se faz isso com mais de mil campanhas em um só estado? Cada uma delas com compromissos particulares, com suas prioridades e com siglas que nada significam? Se não é assim, alguém pode me dizer quais são os projetos em disputa para o Parlamento?

Na verdade, esse modelo produz, além de vários efeitos colaterais, quatro produtos básicos: a) despolitização, b) corporativismo, c) clientela e d) corrupção. Com esse sistema, quanto maior a desfaçatez dos candidatos, maiores suas chances eleitorais. Quanto mais dispostos eles estiverem a sintonizar suas falas com as ambições de seus eleitores e com os preconceitos disseminados; quanto mais capazes forem de distribuir ou prometer favores e de estruturar campanhas individuais remunerando apoiadores, mais competitivos serão. Os que não se comportam dessa forma vão sendo, inexoravelmente, expelidos pelo sistema. Essa é a regra não escrita pela qual, a cada eleição no Brasil, a nova composição do Poder Legislativo é pior que a anterior. No mundo civilizado, não por acaso, a maioria das democracias se estrutura com voto em listas partidárias, o que faz com que cada partido tenha uma só campanha e induz os eleitores a optar por programas, não por pessoas. Por óbvio que não se assegura a reforma da política com o voto em lista. O ponto é que, sem o voto em lista, não haverá reforma da política no Brasil.

II. O PT e os golpistas

Nas eleições municipais de 2016, logo após o impeachment de Dilma, o PT foi o partido que mais coligações fez com o PMDB (hoje MDB). Em todo o País, foram 648 coligações em que o PT apoiou candidatos majoritários daquele que foi considerado o “partido do golpe” (veja aqui: https://goo.gl/xUorgR ). Na época, pouca importância se deu ao fato e a informação, central para se avaliar a coerência entre o discurso e a prática, passou batida. Depois disso, o PT apoiou as candidaturas de Eunício Oliveira e Rodrigo Maia às presidências do Senado e da Câmara, respectivamente. Ambos tiveram papel ativo no impeachment. Naquela altura, já estava claro o caminho que havia sido escolhido por Lula.

Na semana passada, Fernando Haddad cumpriu agenda em Alagoas, oportunidade em que desfilou em carro aberto com o atual governador Renan Filho e com o pai do governador, senador Renan Calheiros, ambos do MDB. Haddad aproveitou o momento para gravar um vídeo com os dois Renans cujo conteúdo é muito revelador (veja aqui: https://goo.gl/dqwWhH). O PT não lançou candidato ao governo em Alagoas, nem ao Senado. Lula orientou o apoio à reeleição de Renan Filho e à chapa ao Senado formada por Calheiros e Maurício Quintella Lessa (PR). Detalhe: ambos votaram a favor do impeachment de Dilma, portanto, segundo o PT, são “golpistas juramentados”.

De Alagoas, Haddad rumou para Pernambuco onde a direção nacional do PT impediu a candidatura de Marilia Arraes ao governo, uma das raras novas lideranças chegadas ao partido. Marilia reunia todas as condições de vencer as eleições. A direção nacional do PT, entretanto, definiu o apoio à reeleição de Paulo Câmara, cujo governo é reprovado por 74% da população (veja aqui: https://goo.gl/xhfpni) e cujo partido, o PSB, apoiou o impeachment de Dilma. Na época, Paulo Câmara chegou a exonerar quatro secretários para garantir votos pelo impeachment. O acordo de Pernambuco envolveu também o apoio do PT aos candidatos do PSB no Amazonas, na Paraíba e no Amapá. Tudo isso para garantir a “neutralidade” do PSB nas eleições à Presidência. Em outras palavras: o afastamento do PSB de Ciro Gomes, candidato do PDT, partido que se opôs ao impeachment. No Piauí, o PT apoia Ciro Nogueira na chapa para o Senado. Para quem não lembra, trata-se do presidente nacional do PP que também votou a favor do impeachment de Dilma e que responde a vários processos por corrupção. Para alcançar esse feito, o PT descartou sua senadora Regina Sousa. Antes de ser preso, em discurso em MG, Lula já havia dito que “perdoava os golpistas”. Então fica assim, o dito pelo não dito, o feito pelo não feito e tudo como dantes no quartel de Abrantes.

(*) Doutor e mestre em Sociologia e jornalista. Presidente do Instituto Cidade Segura. Autor, entre outros, de “A Formação de Jovens Violentos: estudo sobre a etiologia da violência extrema” (Appris, 2016)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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