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28 de setembro de 2018
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22:01

Afinal, o que é fascismo?

Por
Sul 21
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Camisas negras: símbolo do fascismo na Itália (Reprodução)

Marcos Rolim (*)

A expressão fascismo retornou ao debate político nacional com determinada ênfase. O mesmo tem ocorrido em outras nações onde grupos políticos de extrema-direita reivindicam valores e símbolos do fascismo e do nazismo. Na Grécia, o porta voz do Partido Aurora Dourada, Ilias Kasidiaris, é um confesso admirador de Hitler; na Alemanha, grupos neonazistas já produziram atentados com vítimas fatais e, no mês passado, em Chemnitz, na Saxônia, centenas de neonazistas saíram às ruas para protestar contra a morte de um alemão (veja aqui: https://goo.gl/SCaU1H). Cenas semelhantes ocorrem na França onde o fascismo é representado politicamente pela Frente Nacional; na Áustria com oPartido Liberal e em quase toda a Europa, inclusive nos países nórdicos onde há movimentos que promovem atos violentos contra imigrantes e refugiados. Nos EUA, organizações em favor da supremacia branca como Nação Ariana,White Power, Skinheads e Ku Klux Klan protestam contra negros, homossexuais, imigrantes e judeus, assumindo inclusive as saudações nazistas, como ocorreu em 2017 em Charlottesville, na Virgínia (veja o discurso dos neonazistas americanos aqui: https://goo.gl/sXigcG).

Tais movimentos possuem características comuns que, de fato, autorizam defini-los a partir do conceito de fascismo? Em caso positivo, que características seriam essas?

As perguntas remetem para uma definição a respeito do fascismo, algo que parece ainda mais relevante no Brasil onde surgiu nas redes sociais a ideia de que o fascismo e o nazismo seriam movimentos “de esquerda”. Recentemente, a embaixada da Alemanha divulgou em sua página no Facebook um vídeo sobre o nazismo, mostrando que as escolas alemãs ensinam seus alunos desde muito cedo o que foi o nazismo (veja aqui: https://goo.gl/ZG9t2w) e que há, por todo o país, muitos museus e referências históricas orientados pelo objetivo de “conhecer e preservar a história para não repeti-la”. O vídeo caracteriza o nazismo como um movimento de extrema-direita e reproduz declaração do ministro das Relações Exteriores, Heiko Maas, que diz: “Devemos nos opor aos extremistas de direita, não devemos ignorar, temos que mostrar nossa cara contra neonazistas e antissemitas”. Foi o que bastou para que vários internautas brasileiros passassem a questionar a embaixada alemã. Alguns negando o Holocausto, outros sustentando que o nazismo havia sido um movimento “de esquerda”. Uma reação que envergonha o Brasil diante do mundo e que revela o fenômeno relativamente recente de uma ignorância militante para quem as noções compartilhadas em suas bolhas digitais são mais verdadeiras do que a experiência e a elaboração cultural da nação Alemã sobre o nazismo.

Nas Ciências Sociais não há um conceito universal sobre o fascismo.  O fenômeno tem sido tratado em sua dimensão histórica a partir de teorias singularizantes ou generalizantes. O primeiro tipo destaca as características do fascismo italiano, sustentando que as diferenças com as demais experiências, a começar pelo nazismo são diversas o suficiente para desaconselhar o emprego de um conceito unificador.

As teorias generalistas, por seu turno, sustentam que, por sobre as características específicas de cada experiência, há determinados elementos que autorizam o emprego do conceito para descrever um conjunto homogêneo de fatores. Nessa linha, se compreende o fascismo como um movimento autoritário, nacionalista e militarista, inimigo da democracia e dos Direitos Humanos, centrado na figura central de um chefe carismático, a quem se atribui qualidades mitológicas, vocacionado à dominação política através de um partido de massa, proponente de uma ideologia que destaca os valores da ordem e da disciplina e disposto à aniquilação física de seus opositores pela violência e pelo terror. O fascismo costuma se vincular a uma ideia de supremacia racial ou de segmento e é comum que persiga minorias étnicas, além de grupos como os gays e os comunistas.

Vários desses elementos estiveram presentes no ideário da Ação Integralista Brasileira, partido político criado nos anos 30 por Plínio Salgado e que foi inspirado fortemente pelo nazismo. Algumas lideranças políticas nacionais foram fascistas, mas, nunca na história brasileira, um movimento com clara adesão ao ideário fascista encontrou expressão política tão ampla como com o bolsonarismo.

Na tradição marxista, o fascismo foi definido como “a ditadura aberta da burguesia”. A expressão, tornada conhecida pelas resoluções da III Internacional Comunista, reproduz a vulgata reducionista que retira da política sua autonomia e a transforma em um apêndice dos interesses econômicos. No caso, essa definição impede que se diferencie o fascismo das formas de dominação autoritárias tradicionais. Os movimentos fascistas possuem uma vocação totalitária, o que pode ser traduzido pela tendência de operar a fusão entre a estrutura do partido e do Estado, assegurando uma espécie de dirigismo estatal absoluto, capaz de se imiscuir em todos os temas, inclusive aqueles que dizem respeito à vida privada. Nesse particular, as experiências históricas do fascismo e do comunismo se encontraram, criando regimes cuja essência foram os campos de extermínio.

(*) Doutor e mestre em Sociologia e jornalista. Presidente do Instituto Cidade Segura. Autor, entre outros, de “A Formação de Jovens Violentos: estudo sobre a etiologia da violência extrema” (Appris, 2016)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.

 


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