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29 de junho de 2018
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15:18

Roda Viva, Roda Morta

Por
Sul 21
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Prisioneiros em Gulag na Sibéria. (Washington State University)

Marcos Rolim (*)

Como a maior parte dos perguntadores não tinha curiosidade genuína sobre as posições de Manuela – pelo contrário, cada um deles perguntou não porque desejasse conhecer algo, mas porque já o sabia -, o Roda Viva perdeu seu pulso, vindo a óbito no espaço onde as certezas se fixam. Sem escuta e sem troca verdadeira, a entrevista convocou a indelicadeza.

A entrevista com a deputada Manuela D’Ávila (PCdoB) no programa Roda Viva, esta semana (https://goo.gl/KSfStJ) estimulou justos protestos nas redes sociais por conta da postura dos entrevistadores que a interromperam dezenas de vezes. O que ocorreu no programa foi, de fato, lamentável e está vinculado às escolhas feitas pela produção. Um certo senhor Frederico D’Ávila, diretor da Sociedade Rural Brasileira, foi um dos entrevistadores, o que é inadmissível não apenas pelo fato dele não ter a menor noção do que seja uma entrevista, mas pela circunstância de ser um dos coordenadores da campanha de outro candidato (Bolsonaro).

Quais os critérios que orientam o programa? Se entre os entrevistadores há alguém comprometido com um notório adversário das posições representadas por Manuela, porque não se adotou esse procedimento para os demais candidatos já entrevistados? Joel Pinheiro da Fonseca, outro dos convidados não jornalistas, se apresenta como “palestrante do movimento liberal brasileiro” e colabora com o Partido Novo. Se a ideia fosse a de enriquecer o programa com a presença de representantes da sociedade civil, não seria interessante ter posições distintas entre os entrevistadores? Não foi o caso. O Roda Viva, um dos espaços mais importantes para a discussão política na TV brasileira, não construiu uma entrevista com Manuela, mas um palanque para a “guerra fria”.

Tendo em conta o ambiente hostil e a pouca imaginação dos entrevistadores – o que vale também para os jornalistas presentes – penso que Manuela se saiu bem no geral; mantendo suas respostas em uma dimensão mais propriamente pública, vale dizer: mais orientada pelo interesse geral; o que é sempre um desafio diante de interlocutores com poucas luzes. Como a maior parte dos perguntadores não tinha curiosidade genuína sobre as posições de Manuela – pelo contrário, cada um deles perguntou não porque desejasse conhecer algo, mas porque já o sabia -, o Roda Viva perdeu seu pulso, vindo a óbito no espaço onde as certezas se fixam. Sem escuta e sem troca verdadeira, a entrevista convocou a indelicadeza.

Uma avaliação do que ocorreu no programa, entretanto, deve considerar criticamente também as respostas da candidata a respeito do socialismo e sobre Stálin. Nesse particular, Manuela respondeu de forma a não afrontar as posições do PCdoB, o que fragilizou muito sua posição. Ao “bater o ponto” para a ortodoxia, ofereceu a senha para que seus adversários avançassem, o que acabou sendo a sua contribuição para que a proposta da “guerra fria” fosse atualizada.

O período de Stálin na direção da ex-URSS, assinale-se, consolidou uma experiência totalitária comandada por assassinos, torturadores e psicopatas. Em seu pior momento, em apenas dois anos,1937 e 1938, esse regime fuzilou 681.692 pessoas, uma média de mil execuções por dia. Uma das razões que alimentaram a Revolução Russa de 1917 foi a trajetória de violência do czarismo contra a população. Em 75 anos, entre 1825 e 1910, o antigo regime russo foi responsável pela morte de 3.932 adversários políticos, uma média de uma execução por semana. Em comparação com o stalinismo, como se vê, o czarismo foi um jardim de infância. Stálin massacrou dois terços de toda a liderança do Partido Comunista, sendo que, dos 139 membros do Comitê Central, 98 foram mortos a mando do facínora. O stalinismo criou o Gulag, um sistema de campos de concentração e extermínio que antecede o modelo concentracionário da Alemanha nazista. Para esses campos, foram mandados 10 milhões de pessoas, a maioria deles formada por dissidentes do regime. Pelo menos dois milhões de pessoas morreram ali.

Bem, não se pode responder a uma pergunta sobre o sujeito que simboliza esse horror de forma evasiva, como se tudo se resumisse às circunstâncias históricas ou se justificassem pelas maldades viabilizadas pelo capitalismo. Esse é, aliás, o núcleo de uma herança anti-humanista que deve ser repelido claramente por todos os que lutam por direitos humanos. O PCdoB e parte expressiva da esquerda, não obstante, se recusam a acertar contas com esse passado e são incapazes de identificar que, diante do mal extremo, moderação é conivência e qualquer “mas” ou “entretanto” costuma ser um convite à tragédia.

(*) Doutor e mestre em Sociologia e jornalista. Presidente do Instituto Cidade Segura. Autor, entre outros, de “A Formação de Jovens Violentos: estudo sobre a etiologia da violência extrema” (Appris, 2016)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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