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22 de junho de 2018
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14:32

Prisões para bebês

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Sul 21
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Prisões para bebês
Prisões para bebês
A estupidez atende pelo nome de “tolerância zero à imigração ilegal”. (Foto: U.S. Customs and Border Protection)

Marcos Rolim (*)

 No caso dos abrigos, como se parte da necessidade de proteger crianças vítimas de graves violações, a institucionalização tende a emergir, no discurso oficial, como um “mal necessário”, o que é, frequentemente, apenas uma forma de diluir responsabilidades e consagrar a preguiça.

 As cenas e os áudios com crianças filhas de imigrantes ilegais separadas forçosamente de seus familiares nos Estados Unidos sensibilizaram a opinião pública, produziram atos de protesto e desencadearam críticas até entre lideranças republicanas. É preciso ouvir esses áudios, ter a paciência e o estômago necessários para ouvir o lamento das crianças presas que pedem por seus papais e mamães (em um deles se ouve a observação de um agente diante do choro das crianças dizendo: “bueno, aquí tenemos una orquesta”, acesse em https://goo.gl/MJ1ujX ).

Por conta das pessoas que ouviram o choro e se indignaram, porque não são psicopatas, Trump recuou. As mais de duas mil e trezentas crianças internadas em “prisões para bebês”, entretanto, entre elas pelo menos 49 filhas de brasileiros, permanecerão sem convivência familiar, até que a Justiça resolva o que fazer com seus pais e mães encarcerados preventivamente. A expressão “prison for babies”, a propósito, foi utilizada pelo advogado Judd Legun ao descrever o que estava ocorrendo no sul do Texas. “Criar prisões para bebês e crianças em idade pré-escolar não é só mais uma política equivocada; trata-se de um crime contra a humanidade“, disse. A estupidez atende pelo nome de “tolerância zero à imigração ilegal”, uma das bandeiras da extrema-direita norte-americana assumidas por Trump desde sua campanha e que lida com a programação de investimentos privados da ordem de 458 milhões de dólares na construção de novos “abrigos” em Huston, para crianças de imigrantes detidos na fronteira com o México.

A institucionalização de bebês, crianças e adolescentes é uma opção que já havia sido praticamente superada nos Estados Unidos, assim como em muitas outras nações. Nesses países, já há muitos anos, quando há a necessidade de separar crianças de seus pais biológicos, elas são encaminhadas a famílias substitutas previamente selecionadas e que recebem recursos governamentais para as despesas específicas. No Brasil, seguimos mantendo uma rede de abrigos para crianças para processos judiciais que envolvem situações de maus tratos, negligência e/ou abuso sexual, embora já tenhamos experiências exitosas em alguns municípios com o modelo das “Famílias Acolhedoras” como, por exemplo, em Santo Ângelo, no RS.

No caso dos abrigos, como se parte da necessidade de proteger crianças vítimas de graves violações, a institucionalização tende a emergir, no discurso oficial, como um “mal necessário”, o que é, frequentemente, apenas uma forma de diluir responsabilidades e consagrar a preguiça.

John Bowlby foi um influente psicólogo e médico inglês cujas pesquisas de campo lhe permitiram formular o que chamou de “Teoria do Apego”. Acompanhando a realidade de jovens envolvidos em atos infracionais, ele identificou que a ausência de um vínculo forte com a mãe estava diretamente relacionado às atitudes antissociais dos garotos. Essa abordagem foi desenvolvida pela psicóloga norte-americana Mary Ainsworth, com o teste da “Situação Estranha” (“The Strange Situation”, veja demonstração em vídeo em:https://goo.gl/p8ewdN), o que possibilitou medir o apego entre um cuidador adulto e a criança e identificar diferentes tipos de vínculo. Sabe-se, contemporaneamente, que os cuidados intensivos e carinhosos com as crianças – garantidos pela mãe ou por outro adulto capaz desse investimento afetivo –  são mesmo decisivos, especialmente entre os 6 meses e os dois anos de vida, um período considerado crítico. Nesse intervalo, uma experiência de institucionalização de apenas quatro meses pode comprometer o desenvolvimento cerebral das crianças, sua capacidade empática e suas habilidades de relacionamento social.

Por esses e outros motivos, a manutenção de abrigos no Brasil, onde estão milhares de crianças, muitas delas por anos a fio, assinala uma grave violação dos seus direitos humanos que, desafortunadamente, segue sendo invisível entre nós, o que já seria insuportável mesmo se os abrigos fossem instituições modelares, o que, como todos sabem, não é o caso. Muitas dessas instituições no Brasil, aliás, são espaços não de cuidado, mas de criminosa negligência e de novas violações sobre as crianças, incluindo abusos sexuais.

O incrível é que a solução para os adequados cuidados temporários a uma criança afastada de sua família biológica só depende da vontade de parlamentares e gestores públicos. Nem sequer o argumento da falta de recursos tem cabimento, vez que uma política pública como a das “Famílias Acolhedoras” custa menos do que manter abrigos, sejam próprios, sejam conveniados. Na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, aliás, tramita um Projeto de Lei da vereadora Fernanda Melchionna (PSOL) sobre o tema, o mesmo ocorrendo na Assembleia Legislativa do RS com uma proposição do deputado estadual Eduardo Loureiro (PDT). Os senhores e senhoras parlamentares têm, por certo, muitos projetos relevantes para apreciar, mas nenhum tão urgente quanto esses. Ambos tramitam desde 2016.

(*) Doutor e mestre em Sociologia e jornalista. Presidente do Instituto Cidade Segura. Autor, entre outros, de “A Formação de Jovens Violentos: estudo sobre a etiologia da violência extrema” (Appris, 2016)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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