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15 de dezembro de 2017
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13:53

Governo ameaça POD socioeducativo

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Governo ameaça POD socioeducativo
Governo ameaça POD socioeducativo
“POD é o mais exitoso programa de prevenção à violência com jovens já realizado no RS”. (Foto: Pão dos Pobres/Divulgação)

Marcos Rolim (*)

A sigla POD do título talvez não seja conhecida de boa parte dos leitores. Ela significa “Programa de Oportunidade e Direitos” e designa o mais exitoso programa de prevenção à violência com jovens já realizado no RS e, possivelmente, um dos programas mais exitosos em prevenção terciária (aquela que se realiza com pessoas já envolvidas com o crime e a violência) de que se tem notícia.

Vamos por partes. O POD socioeducativo ganhou esse nome no governo Tarso Genro, mas ele nasceu com o nome de “RS Socioeducativo” no governo Yeda Crusius. Pelo programa, que se transformou em política pública (Lei Estadual 14.227 de 15 de abril de 2013), jovens egressos da FASE (antiga Febem) que desejarem e no limite de vagas oferecidas se vinculam a um processo de profissionalização oferecido por entidades do terceiro setor, recebendo uma bolsa mensal de meio salário mínimo por até um ano, contanto que sejam frequentes às aulas, oficinas e demais atividades planejadas.

O principal responsável pelo programa foi Fernando Schüler, titular da secretaria de Justiça no governo tucano. Tenho orgulho de ter ajudado nessa definição, sugerindo um programa de apoio aos egressos da FASE ao então secretário em reunião da qual participou também meu saudoso amigo Plínio Zalewski. Fernando ficou entusiasmado com a ideia e delineou o programa, com o apoio de todos os que militam na área, a começar por magistrados como a juíza Vera Deboni.

Em 2016, Juntamente com duas ex-orientandas, Cristiane Braga (PUC) e Fernanda Wilkemann (IPA), analisamos a efetividade do POD (trabalho disponível em https://goo.gl/WE3ar3), encontrando, entre outros resultados importantes, uma taxa de reincidência (entre as centenas de participantes que fizeram o percurso de um ano de formação) de 8%. Ou sejam, de cada 100 meninos que ingressaram no POD e que permaneceram por um ano nele, 92 não voltaram para o crime.

Quando nos deparamos com essa taxa, percebemos que se tratava de algo excepcional. Passamos a procurar, então, pelas experiências semelhantes de prevenção terciária com jovens em todo o mundo, descobrindo que um dos programas mais rigorosamente avaliados e recomendados (em aplicação nos EUA) possui uma taxa de reincidência de 11%. Por óbvio que o POD precisaria passar por um processo consistente de avaliação com critérios iguais àqueles empregados em países onde a ciência é, de fato, respeitada e onde todas as políticas públicas são avaliadas externamente. Sem isso, mesmo as comparações são temerárias. O que não resta dúvida, entretanto, é que os indicadores de reincidência do POD são extraordinariamente baixos e que o programa se situa entre as boas práticas internacionais.

Pois é justamente esse programa que se encontra ameaçado pelo governo Sartori. O governo elaborou novo edital para a contratação da organização da Sociedade Civil que será responsável pela execução do POD, prevendo multiplicar o público beneficiado por mais de seis vezes. Ao invés dos 180 egressos da FASE atendidos pelos contratos executados no último período pela Fundação Pão dos Pobres e pela Rede Nacional de Aprendizagem, Promoção Social e Integração (RENAPSI), se prevê o atendimento de 1.100 jovens em diferentes cidades do RS. O que seria uma ótima iniciativa se revela, entretanto, uma ameaça, porque os recursos previstos para esse objetivo tão importante e tão reivindicado, ao invés de terem aumentado, pasmem, diminuíram.

O resultado é que as entidades que tornaram realidade o programa, que desenvolveram expertise no acolhimento e que souberam produzir vínculos com os meninos, disputando com enorme sucesso cada um deles com o crime, sequer se habilitaram para o edital. O programa passará a ser executado pelo Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE) – que jamais se envolveu com o tema da prevenção terciária e que não contará com os recursos mínimos necessários para contratação de bons profissionais, especialmente psicólogos e assistentes sociais (o edital, aliás, descumpre a Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do SUAS quanto ao número mínimo de profissionais nessas áreas).

Sinceramente, desejo muito estar equivocado, mas sou obrigado a concluir que o governo resolver mexer justamente no time que estava ganhando. Talvez o único que poderia apresentar resultados excepcionalmente bons. Como de costume, tomou essa decisão sem ouvir ninguém.

(*) Doutor e mestre em Sociologia e jornalista. Presidente do Instituto Cidade Segura. Autor, entre outros, de “A Formação de Jovens Violentos: estudo sobre a etiologia da violência extrema” (Appris, 2016).

 


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