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9 de agosto de 2017
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10:00

Vamos privatizar a água!

Por
Sul 21
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Vamos privatizar a água!
Vamos privatizar a água!

Luiz Antonio Timm Grassi

Viva a privatização! Vamos apoiar a venda do Departamento Municipal de Água e Esgotos de Porto Alegre!

É preciso vender uma instituição pública que há vários anos universalizou o abastecimento de água da capital gaúcha. Pelos dados do Instituto Trata Brasil, Porto Alegre está entre os dezessete municípios brasileiros que atingiram esse nível de atendimento. Apenas outras três capitais atingiram essa meta. O mercado ficará muito satisfeito em receber esse produto.

Vamos vender, também o serviço de coleta e tratamento de esgoto sanitário. Afinal, a cidade, depois de décadas de carência em instalações de tratamento, já conta com uma das maiores plantas de depuração do mundo e a partir daí, juntamente com outras instalações, 80% dos efluentes produzidos pela cidade poderão ser tratados. Essa venda incluirá também todos os estudos e projetos empreendidos por vários anos pela equipe técnica do DMAE, que incluíram muitas consultas à comunidade em suas instâncias participativas, como o Comitê da Bacia do Lago Guaíba, sobre o local das instalações e o ponto de lançamento dos efluentes.

É preciso colocar à venda, também, o pioneirismo do DMAE que, há mais de quarenta anos instalou um laboratório para estudar a qualidade da água captada e efetivou o trabalho que resultou no modelo de qualidade do Guaíba e que embasou o primeiro enquadramento legal de usos por parte desse corpo hídrico. Essa mesma equipe proporcionou dados de monitoramento da qualidade da água de rios formadores do Guaíba que serviram e servem para a gestão dos respectivos comitês de bacia.

Devemos oferecer ao mercado a experiência de técnicos que construíram, juntamente com equipes de outros órgãos municipais e estaduais, um sistema de gestão de recursos hídricos cuja concepção foi modelar para todo o País.

Em se tratando de gestão, tema tão caro a nossas atuais autoridades e seus apoiadores neoliberais, o mercado terá todo o prazer em receber para a iniciativa privada um organismo que, muitas vezes, foi a válvula de escape para as contas da Prefeitura. O DMAE, como prestador de um serviço monopolista e que oferece um produto de consumo obrigatório, por sua natureza, tem uma receita garantida e, em se tratando de uma grande cidade com um imenso manancial próximo e à disposição, é altamente rentável Então, vamos entregar essa rentabilidade ao mercado para transformá-la em lucro fácil.

Ainda na tônica da gestão, vamos entregar o esforço feito nos últimos anos para diminuir as perdas de água (problema emblemático dos serviços de abastecimento de água em todo o mundo). E os investidores privados receberão um sistema que reduziu essas perdas na distribuição de água (fugas, rompimentos de canalizações e outros eventos) para 16,95% (dados do Trata Brasil), praticamente no mesmo nível das duas cidades com menos perdas (e sendo melhor colocada entre as capitais e considerando que, quanto maior a cidade, mais difícil esse controle).

Vamos aproveitar e colocar à venda alguns problemas que realmente existem, com relação à qualidade da água distribuída. São questões cuja solução não depende exclusivamente do DMAE e de seus técnicos. A população acompanhou, recentemente, o que ocorreu quando a presença de odor e sabor na água das torneiras incomodou e foi objeto de investigação. Todos os usuários têm o máximo direito de querer a água que recebem nas clássicas condições de insípida e inodora. Quem sabe colocando à venda o DMAE, essas condições seriam garantidas sempre? Teriam os proprietários privados o poder de interferir junto aos órgãos de controle ambiental do estado e fazer cessar imediatamente os efeitos danosos provocados por outros proprietários privados no bem público que é o Guaíba? Ou quem sabe teriam maior apoio dos grandes grupos de comunicação para minimizar os dissabores da ocorrência? Vamos fazer a experiência e ver o que uma empresa privada faz (no Brasil e no mundo, são muitos os exemplos, como os da Volkwagen, da Samarco, das telefônicas etc).

Temos que reconhecer que as tarifas praticadas pelo DMAE (e pelos outros serviços públicos de água) deveriam estar mais de acordo com os valores de mercado. Por exemplo, o que se paga por uma garrafa de água dita mineral (o que nem sempre é) pode chegar a mais de mil vezes o que é cobrado pelo serviço público. Então, por que não deveríamos pagar mais, pelas regras do mercado? Aí ficaria garantido o “lucro justo”, a exemplo do que ocorre na área financeira…

E não vamos esquecer que o acesso à água potável, tratada e distribuída às populações, foi declarada “Direito Humano” pela Assembléia Geral das Nações Unidas, em 28 de julho de 2010. Mas em uma sociedade capitalista como a nossa, o lucro privado é o direito supremo e todos os outros devem subordinar-se a ele. Então, que o direito à água seja colocado em seu devido lugar e que tenha seu preço bem avaliado, pois não só “nenhum almoço é de graça”, mas também nenhuma gota dágua deve sê-lo e só quem puder pagar deve merecer esse direito.

Vamos, então, apoiar o Prefeito que quer vender mais de cinqüenta anos de história. Vamos vender junto nossos direitos, nosso orgulho de porto-alegrenses pelo DMAE, nossa cidadania e nossas esperanças por uma cidade administrada de forma mais justa.

Quem sabe, daqui a alguns anos, façamos como Buenos Aires, Paris, Berlim, Atlanta e outras grandes cidades, expulsemos os “privados” e voltemos à gestão pública. Ou então, como fez o povo de Cochabamba, façamos uma verdadeira guerra pela água, retomando o serviço e expulsando quem os explorava.

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Luiz Antonio Timm Grassi é Engenheiro Civil.


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