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15 de março de 2017
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10:00

Um naufrágio a evitar

Por
Sul 21
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Por Luiz Antonio Timm Grassi

Os doutos assessores do senhor governador do estado devem ter cometido um pequeno engano de semântica. Profundos conhecedores dos mecanismos estatais, ao se defrontarem com um conjunto de entidades denominadas fundações, entenderam-nas como “afundações”. E pensaram que as referidas entidades tinham como finalidade afundar o barco do estado no mar revolto da crise econômico-financeira. Resolveram, então, aconselhar o bem assessorado governante a extinguir essas entidades malévolas, causadoras principais do naufrágio econômico e administrativo do Rio Grande. A máquina governamental ficaria mais leve e seguiria fagueira por serenos mares, devidamente acompanhada por muitas assessorias e consultorias privadas que orientariam, sem peso nenhum para o barco estatal, a rota pelas águas turvas de seus nobres interesses. Não sabiam (ou não queriam saber) os doutos que, entre esses rebocadores, poderia haver um bom número de piratas interessados no botim.

Foto: Caroline Ferraz/Sul21

Não sabiam, também, que essas instituições não apenas pesam pouquíssimo, comparadas a outros cargas do governo, como também, diversas têm receitas próprias e ajudam a diminuir o peso da dívida pública.

Não sabiam, ainda, que a sociedade gaúcha tem condições de conhecer, avaliar e valorizar o significado das fundações públicas. E que essa sociedade não se conformaria com a subserviência dos deputados que votaram pela autorização da extinção e continuaria lutando para preservar esse patrimônio insubstituível.

Se os doutos fossem verificar o papel e a atuação das doze entidades que tiveram sua “afundação” pedida pelo Executivo e autorizada pelo Legislativo, ficariam surpresos.

Em primeiro lugar, compreenderiam que essas instituições compõem o quadro da administração indireta, o que significa descentralização das políticas e das ações governamentais, ou seja, gestão pública mais eficiente (expressão em voga nos gabinetes dos doutos).

A seguir, ao tomar conhecimento do que tem feito e o que tem significado cada fundação alvejada, poderiam entender melhor a história, a natureza social e cultural e o desenvolvimento do nosso estado. O quadro dessa contribuição é tão vasto e complexo que seria necessário uma obra imensa para revelar, o que cada uma foi e fez ao longo de muitos anos.

Apenas para um breve exercício, imaginemos o estado sem o trem metropolitano e sem um sistema metropolitano de transporte. Pois não haveria esse sistema sem a Fundação Estadual de Planejamento Metropolitano e Regional – Metroplan. E sem a Metroplan e sem a Fundação de Ciência e Tecnologia – Cientec (ao lado da Corsan e da Fepam) o estado não teria uma política e um sistema de gestão dos recursos hídricos.

Será que os doutos sabem que a Cientec foi fundamental para a implantação do Polo Petroquímico e das vantagens econômicas e sociais advindas? E que, se a política mineral do estado tivesse valorizado o trabalho feito por essa fundação, o Polo Carboquímico seria uma realidade?

E quem teria realizado as pesquisas da Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária – Fepagro, importantes para a produção agrícola; da Fundação Zoobotânica – FZB, na proteção ambiental e na preservação da biodiversidade; da Cientec em diversos campos da tecnologia, da Fundação Estadual de Produção e Pesquisa em Saúde – FEPS, na área da saúde?

E não são apenas atividades de estudo, pesquisa ou projetos. Se os afundadores das fundações fossem verificar, descobririam uma infinidade de serviços prestados aos órgãos públicos e também ao setor privado e às comunidades, como a certificação de materiais, pela Cientec, a produção de soro antiofídico, pela FZB, a gestão do transporte metropolitano, pela Metroplan ou a capacitação de funcionários públicos, pela Fundação para o Desenvolvimento dos Recursos Humanos – FDRH para ficar em alguns exemplos.

Em um dos casos, o da Fundação de Economia e Estatística – FEE, indicadores sócio-econômicos fundamentais para as políticas governamentais, além de um acervo histórico insubstituível deixaria os doutos estupefatos.

E o importante função cultural, educacional e de formadora de opinião exercida pela Fundação Piratini, através da TVE e da Rádio Cultura FM, talvez não impressionasse os exterminadores, por estarem intoxicados pela exposição à mídia privada. Mas certamente é, entre as inúmeras perdas provocadas pela extinção, aquela a ser sentida mais direta e emocionalmente pela população.

Finalmente, resta perguntar como ficariam os acervos materiais e imateriais dessas instituições. Afundariam junto? Ficariam submersos no fundo do mar da desolação, para serem resgatados no futuro, quais tesouros de naves naufragadas ou perdidos para sempre? E aqueles bens com valor de mercado, como o Jardim Botânico ou o Zoológico, ficariam como botim de interessados em negócios imobiliários?

Qual o caminho a seguir, então, a partir dessa tentativa de naufrágio intencional da gestão pública pelo afundamento de grande parte dos órgãos de administração descentralizada? As reações de importantes setores da sociedade gaúcha já estão respondendo. A essas alturas, não se tratam de interesses partidários ou corporativos. As próprias origens, histórica e politicamente diversas, das entidades, agrega defensores com as mais diferentes motivações e visões. Talvez, na história recente do Rio Grande do Sul, não tenha havido oportunidade mais concreta de um movimento unitário em defesa do patrimônio institucional representado pelas instituições ameaçadas.

Uma vez consumado o afundamento, a perda seria irreparável. Essa perda ainda não aconteceu. O governador, impensadamente, conseguir que os deputados, também insensatamente, aprovassem uma autorização para as extinções. Elas não aconteceram. Para que não siga a marcha para a desgraça, duas atitudes deveriam ser tomadas pelo governo junto com setores sociais, como universidades, entidades de classe, movimentos sociais.

Em primeiro lugar, pode ainda ser feito um grande levantamento da realidade, das atividades e dos resultados dessas atividades, de cada uma das entidades. Como já se manifestou o próprio coordenador do Plano do Governo Sartori, o cientista político Brum Torres, faltou um estudo de profundidade que avaliasse a necessidade e os ganhos com as extinções. Esse estudo também seria oportunidade para uma ampla divulgação, para a sociedade gaúcha da realidade da administração pública em setores fundamentais, com o conhecimento de fundações que foram criadas para atender demandas específicas e importantes geradas pela própria sociedade.

Outra ação que ainda pode ser desenvolvida é no sentido de avaliar de forma extensa e efetiva, quais os reais benefícios financeiros que trariam ao estado as extinções. Ou demonstrar que, possivelmente, ao contrário, esses benefícios seriam não apenas insignificantes, mas as extinções gerariam diretamente custos (por exemplo, em indenizações trabalhistas) maiores do que os ganhos. Nesse sentido, poderia se colocado em questão o argumento de que as extinções fazem parte da contrapartida do estado nas negociações com o governo federal com relação à dívida do estado com a União. Já foi dito por estudiosos do assunto como o professor Pedro Fonseca que as extinções são inócuas, do ponto de vista dessas negociações, pois o governo federal não as exige para nenhum estado (a não ser que os doutos assessores as tenham confundido com empresas públicas que provocam cupidez privada, como as empresas de energia, saneamento ou bancos públicos).

Estamos, pois, vivendo uma daquelas crises que podem gerar oportunidades. A mobilização da sociedade e a sensatez ainda existente em setores governamentais podem abrir caminho para um aperfeiçoamento da gestão pública, em vez de provocar o pretendido afundamento das fundações e o naufrágio final que seria uma triste façanha a não servir de modelo a nenhuma parte da terra.

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Luiz Antonio Timm Grassi é engenheiro e bacharel em História.


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