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6 de fevereiro de 2016
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09:11

Trumbo ou a persistência da intolerância

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Sul 21
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Por Luiz Antonio Timm Grassi

Nada mais oportuno, para o momento que vivemos, do que a história de Dalton Trumbo, o roteirista de Holywood que sofreu a caça às bruxas estadunidense do pós-guerra. Pertencente ao Partido Comunista dos Estados Unidos, foi convocado para depor na Comissão de Atividades Antiamericanas da Câmara de Representantes, presidida por John Parnell Thomas (mais tarde condenado por corrupção). Trumbo e mais nove roteiristas e produtores de cinema negaram-se a responder à inquisição parlamentar e foram condenados a meses de prisão e ao impedimento de exercer atividades cinematográficas.

Para o Brasil de hoje, o filme que conta esta história é de uma atualidade atroz. As suspeitas de atividades subversivas, de comprometimento com uma “ideologia nefasta”, de propósitos políticos subliminares nos roteiros derivam para acusações fáceis e sem base. A intolerância vem à tona, com as ameaças, provocações, ofensas e até agressões em locais públicos. Trumbo é atingido, ao sair de um cinema, por um copo de bebida, jogado por um “indignado” com suas “atitudes antipatrióticas”. Os vizinhos mandam bilhetes rejeitando a presença de sua família. Mais do que isso, a piscina de sua casa é sabotada, cheia com lixo. Seus filhos precisam submeter-se a uma disciplina rigorosa para que a família não seja denunciada. Coisas e fatos que já aconteceram entre nós ou que ainda estão se repetindo.

A histeria anticomunista é alimentada pela imprensa. No filme, esse papel é personificado pela colunista de fofocas do meio cinematografico Hedda Hoper. Como muitos jornalistas que conhecemos, sua fúria contra aqueles que contrariassem os “valores” da sociedade estadunidense, como comunistas, homossexuais ou ativistas de direitos humanos não conhecia limites. Relacionou-se com figuras do mais extremo conservadorismo, como J.E.Hoover (diretor do FBI por muitos anos), Ronald Reagan e John Wayne. E prejudicou a carreira, entre outros, de Charles Chaplin. Mais ou menos como o jornalismo que conhecemos entre nós.

No meio cinematográfico, multiplicam-se aqueles que, por interesse ou por covardia, submetem-se ao clima de intolerância ou participam ativamente, denunciando os colegas, como Edward G. Robinson. Não citado no filme, o direto ex-comunista Elia Kazan renuncia a sua convicções e também denuncia seus pares. Seu filme, o excelente (cinematograficamente) “Sindicato de Ladrões” (On the Waterfront) merece, aliás uma aproximação ao momento brasileiro atual: trata da ambíguo heroísmo do campeão da moral que vence sozinho a corrupção, ao mesmo tempo ao mesmo tempo em que faz a apologia da delação… Não muito diferente do que assistimos no dia-a-dia brasileiro.

Cria-se a Lista Negra dos cineastas, escritores, jornalistas que são convocados à Comissão para delatar e confessar seus “crimes ideológicos” e, depois alguns são presos, outros impedidos de trabalhar. Isso foi corriqueiro na ditadura brasileira, mas não estamos livres de que ocorra novamente.

De uma forma discreta, aparece no filme, também, a atuação do judiciário. Condenados em primeira instância, os “Dez de Hollyvood” recorrem à Suprema Corte (análoga ao nosso STF), confiando na então maioria liberal. Mas a morte de um dos ministros progressistas muda o rumo da decisão judicial e o tribunal assume o papel repressivo. Alguma semelhança com nosso Judiciário?…

Finalmente, há que mencionar o artifício usado por Trumbo e seus colegas para driblar o impedimento de escrever roteiros: o uso de nomes falsos. Artistas brasileiros já tiveram de usar esse expediente. Oxalá não se repita a necessidade.

Tudo o que se vê no filme (de uma forma até surpreendente, em se tratando de uma produção comercial), faz pensar bastante na nossa realidade atual. O clima de histeria contra a esquerda, o denuncismo, a intolerância manifestada sob diversas formas, o parcialismo da imprensa, o protagonismo autoritário e pseudo-moralista de parlamentares (que acaba desmascarado, como os cunhas, entre nós), as ambigüidades do judiciário (às vezes não tão ambíguas), os inquisidores que cooptam os delatores, o julgador que é, antes de tudo um acusador , tudo nos parece familiar. E “Trumbo” se passa nos Estados Unidos, nas décadas de 40/50. Ou seja, a história se repete, em outro país, em outra época. Quer dizer, a intolerância volta sempre. A Inquisição, os autos-de-fé, os processos fascistas ou stalinistas, a caça aos subversivos nas ditaduras latino-americanas, tudo indica a permanência do vírus da intolerância. A cada surto, ele é vencido, mas o custo dessa vitória é muito caro.

Homenageado, anos após a perseguição e a retomada de sua brilhante carreira, ao ouvir a menção de que a Comissão parlamentar que o perseguira tinha sido uma piada, Trumbo rebate seriamente, dizendo não aceitar que os efeitos danosos daquela época fossem levados na brincadeira. E lembra todo o sofrimento acarretado pela intolerância e pela perseguição política, acabando por dizer que um Oscar que ganhara estava molhado pelo sangue dos perseguidos. E diz também que, de certa maneira, todos tinham sido vítimas, pois muitos foram perseguidos e outros traíram suas consciências.

Quando, em nosso país (e, de outras formas, muitas vezes mais violentas, no mundo todo), a intolerância cresce e invade mentes e atitudes, vale a pena ver esse filme que, à sua maneira, denuncia a intolerância e anuncia que ela pode e deve ser vencida.

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Luiz Antonio Timm Grassi é engenheiro, gacharel em História.


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