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1 de agosto de 2016
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11:19

O Lago Guaíba legalmente é um Rio

Por
Sul 21
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O Lago Guaíba legalmente é um Rio
O Lago Guaíba legalmente é um Rio

Por Tiago Holzmann da Silva(*)

A polêmica sobre a denominação do Guaíba – rio ou lago – teve mais um belo capítulo em evento realizado recentemente pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB RS). A discussão contou com a presença brilhante de dois professores pesquisadores da UFRGS que defendem teses aparentemente opostas. O geólogo Rualdo Menegat, doutor em Ecologia de Paisagem e organizador do Atlas Ambiental de Porto Alegre, defende que o Guaíba é um LAGO e apresentou bibliografia de diversos autores e dados consistentes para fundamentar e comprovar sua tese. No seu entendimento, o Guaíba tem características de lago em função do aspecto de sua hidrologia, condições das margens, falta de um canal e o seu comportamento geral. Por outro lado, o também geólogo Elírio Ernestino Toldo Júnior, doutor em Geociências com farta produção acadêmica nos temas relacionados á dinâmica dos sedimentos, morfodinâmica, erosão e hidrodinâmica, defende que o Guaíba é um RIO e, igualmente, apresentou resultados de suas pesquisas e medições, como provas da existência de canal, vazão contínua e condução de sedimentos, entre outras características que demonstrariam ser o Guaíba um rio.

O meu entendimento leigo, acompanhando a argumentação qualificada dos pesquisadores, foi de concordar com ambos, tal é a coerência das evidências e resultados apresentados. Pessoalmente, fiquei com a impressão que o Guaíba é um rio, pois configura-se como uma espécie de continuação do Rio Jacuí que está submerso, mas também é um lago, visto que seu aspecto e comportamento tem muitas características similares a este. Entendi, buscando compatibilizar as teses, que o Guaíba parece ser a continuação do Rio Jacuí que está submerso no espaço “alagado” do Guaíba em sua passagem até a Lagoa dos Patos. Mas esta compreensão pessoal é irrelevante, pois o que devemos é seguir estimulando e acompanhando a evolução deste rico debate acadêmico sobre o tema. A ciência é dinâmica e o enfrentamento e comprovação destas teses faz parte da produção do conhecimento e da própria evolução de nossa sociedade.

Entretanto, um terceiro convidado, o Engenheiro Civil Henrique Wittler, mestre em Hidrologia Aplicada, Irrigação e Drenagem e com larga experiência em planejamento e projetos voltados ao tema hidrológico da bacia do Guaíba, introduziu uma outra dimensão do problema que são as consequências legais e paisagísticas de se chamar o Guaíba de rio ou lago. Isto porque a legislação ambiental brasileira determina Áreas de Preservação Permanente (APP) nas margens de todos os corpos hídricos e estas APPs restringem drasticamente a possibilidade de ocupação, urbanização e construção nas margens protegidas. A preservação dessas margens para os rios, com a largura do Guaíba, é de 500 metros e para um lago é de apenas de 30 metros. Ou seja, a amplitude de uma e outra é bastante distinta em função da simples denominação rio ou lago, sendo este o ponto crucial desta polêmica, pois há claros interesses dos especuladores imobiliários na promoção da denominação de lago, pois reduz as áreas de proteção e amplia muito a oferta de terrenos para seus empreendimentos, assim como há conivência de alguns políticos e administradores públicos com esta permissividade, tendo em vista que o setor da construção civil está entre seus principais financiadores de campanha. Como consequência, a saudável discussão acadêmica acaba sendo utilizada com objetivo de atender aos setores interessados apenas em lucrar com a cidade destruindo suas qualidades ambientais e urbanas.

Neste sentido, parece-nos muito importante separar estas duas dimensões da discussão. A discussão científica, que cabe aos pesquisadores, da discussão legal e política que cabe à toda a população. A forma como a cidade vai tratar as margens do Guaíba não pode ficar submetida à denominação do mesmo. Deveria estar vinculada a um PROJETO DE CIDADE amplamente discutido por todos e construído com o objetivo de integração plena do rio/lago com a sua população e a serviço do interesse coletivo. O IAB RS defende um planejamento integrado para toda a margem do Guaíba que garanta a recuperação da qualidade das águas, a preservação da paisagem natural, a preservação e qualificação das áreas urbanizadas, tudo isto garantindo o caráter estritamente público destas margens. O Guaíba e sua paisagem natural e urbana são bens públicos de toda a sociedade porto-alegrense e gaúcha, sendo que qualquer iniciativa de privatização desses espaços deverá ser rechaçada seja ele cientificamente um rio ou um lago.

(*)Tiago Holzmann da Silva é Arquiteto e Urbanista – Presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB RS)


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