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3 de julho de 2016
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11:55

Planos diretores precisam ter a abrangência de seus conteúdos amplificada?

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Sul 21
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Planos diretores precisam ter a abrangência de seus conteúdos amplificada?
Planos diretores precisam ter a abrangência de seus conteúdos amplificada?

Por Maria Tereza Fortini Albano

A proposta em tramitação através do Projeto de Lei do Senado 667/ 2015 sugere alterar redação do artigo 40 do Estatuto da Cidade definindo Plano Diretor como instrumento de desenvolvimento humano, econômico e social das cidades brasileiras, devendo estabelecer obrigatoriamente parâmetros para as políticas públicas de saúde, educação, segurança pública, transportes e habitação.

Planos diretores precisam ter a abrangência de seus conteúdos amplificada? Passemos a algumas considerações.

No passado, em diferentes momentos, os planos diretores foram ora planos de embelezamento ou de melhoramentos, ora, e de maneira predominante, planos diretores físico-territoriais com ênfase na regulação da propriedade privada da cidade formal.

Desde os anos 50 e 60 do século passado até hoje, já como instrumentos legais cada vez mais completos e complexos, passaram a se estruturar como planos de desenvolvimento integrado, como planos de desenvolvimento urbano ou ainda como planos estratégicos com características diferenciadas em diversos locais. Entre os de primeira e os de última geração cada vez mais conteúdos passaram a fazer parte dos documentos legais.

Há quase 30 anos, através de dois artigos (182 e 183), a Constituição Federal de 1988 consolida, de forma inovadora, um capítulo específico sobre Política Urbana. O objetivo? Ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

Neste contexto, o plano diretor, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, passou a ser definido como o instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana. A noção de cumprimento da função social da propriedade urbana, aspecto de suma importância, quando se discute o papel dos planos diretores fica então associada ao atendimento das exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

Na continuidade, em 2001, o Estatuto da Cidade regulamenta as disposições dos artigos 182 e 183 da Constituição Federal, define princípios, apresenta um elenco de diretrizes e legitima uma série de instrumentos discutidos durante muitos anos junto à sociedade. Da mesma forma introduz um capitulo especial sobre o Plano Diretor e seus conteúdos mínimos.

Na vigência do Estatuto da Cidade, pelo menos três grandes grupos de instrumentos potencializam uma política urbana de caráter municipal com vistas ao alcance de cidades sustentáveis para as atuais e as futuras gerações.

Num primeiro grupo, os instrumentos de indução ao desenvolvimento urbano tais como o IPTU Progressivo no Tempo, as Operações Urbanas Consorciadas e o Direito de Preempção evidenciam possibilidades de avançar para a implementação do projeto de cidade previsto no plano diretor, ele próprio o principal instrumento de indução; num segundo grupo, os instrumentos de regularização fundiária, com destaque para as Áreas ou Zonas Especiais de Interesse Social, trazem a oportunidade de tratar de forma particular os territórios de interesse para a qualificação de uma política habitacional municipal inclusiva e por fim, num terceiro grupo, os instrumentos de gestão democrática tais como os órgãos e os colegiados de política urbana e as conferências municipais, identificam aspectos a observar na montagem de sistemas de planejamento, participativos por pressuposto.

Utilizados isoladamente ou numa visão integrada estes instrumentos constituem a “caixa de ferramentas” que contribui para o alcance das diretrizes expressas no artigo 2º do Estatuto da Cidade fortalecendo também o expresso no Capítulo sobre o Plano Diretor entre os artigos 39 e 42 do Estatuto da Cidade.

O Plano Diretor, reforçado pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Cidade representa, portanto, um novo patamar para o planejamento das cidades.

Em 2003, a criação do Ministério das Cidades, enfrenta, entre tantos desafios, o “fazer avançar” em todo o país, a formulação e revisão de planos diretores municipais. Através de grande campanha se trabalhou no sentido de atender ao prazo de cinco anos para que se alcançassem resultados. Estava definida a etapa de elaboração-revisão de planos diretores, agora participativos.

Findo o período, em 2008, um primeiro Balanço Crítico dos Planos Pós-Estatuto da Cidade é iniciado através de convênio entre o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade do Rio de Janeiro e o Ministério das Cidades- Secretaria de Programas Urbanos. Mediante pesquisa foram avaliados mais de 500 municípios brasileiros. Somente no Rio Grande do Sul quarenta e dois municípios de diferentes escalas espaciais e padrões de concentração populacional fizeram parte deste trabalho.

O resultado mostra, de maneira geral, a fragilidade de um grande número de municípios, entre os que possuem mais de 20000 habitantes, para viabilizar a implementação de seus planos diretores segundo um rol de temas selecionados quais sejam: acesso à terra urbanizada, política de habitação, saneamento ambiental, política de mobilidade urbana, dimensão ambiental nos planos diretores, questão metropolitana e questão sistema de gestão e participação democrática.

Nem bem se atingiu a totalidade dos municípios com obrigatoriedade de formular seus planos e mudanças no Estatuto da Cidade já se multiplicam em diversos projetos de lei a nível federal.

Neste momento, há de se reconhecer os esforços realizados no processo que vem se estendendo desde antes de 1988 e traçar uma estratégia compatível para avançar na difícil tarefa de transformar planos em instrumentos efetivos da política urbana. Se o primeiro esforço foi pela elaboração dos planos, os passos seguintes devem estar relacionados aos processos de regulamentação dos seus conteúdos e à constituição dos sistemas de planejamento apoiados por sistemas de acompanhamento e monitoramento das realidades locais. Muitas são as questões a serem enfrentadas e há de se respeitar a enorme diversidade de realidades do nosso país.

Dando então uma resposta à pergunta expressa no título deste texto a palavra chave é NÃO. NÃO é conveniente jogar para dentro dos planos conteúdos que podem estar fora deles, de acordo com as condições de cada prefeitura municipal.

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Maria Tereza Fortini Albano é Arquiteta e Urbanista e Conselheira Estadual IAB-RS


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