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3 de julho de 2015
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11:00

Pacto federativo: bem mais do que um conceito

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Pacto federativo: bem mais do que um conceito
Pacto federativo: bem mais do que um conceito

Por Germano Rigotto

O pacto federativo é um tema complexo desde o seu nome. Não faz parte do vocabulário cotidiano da opinião pública brasileira, tampouco está presente nos grandes debates do país. No jornalismo, timidamente. Esse fenômeno é compreensível, pelo menos em alguma medida. Ocorre que se trata de um conceito constitucional que requer prévia e didática explicação. Não é palatável. Mas a dificuldade em compreendê-lo só não é maior do que a sua importância. É o pacto federativo que define as funções dos entes federados – União, estados e municípios – e a fonte que vai subsidiar tais responsabilidades. Em outras palavras: quem faz o que e de onde sai o dinheiro para pagar a conta.

A formatação desse instituto, como eu disse, tem origem constitucional. Gradativamente, vai sendo regulamentado por diversas legislações paralelas. No caso do Brasil, foi a Carta de 1988 que procurou estabelecer os parâmetros – e o fez com certo equilíbrio. Entretanto, diversas modificações foram sendo feitas ao longo do tempo, criando zonas de sombreamento, sobreposição, dúvida e até mesmo vácuo. Isto é, o emaranhado legislativo do país criou diversas confusões sobre os papéis dos entes federativos e, por consequência, da origem dos recursos para custear as atividades do aparato estatal, seja no âmbito municipal, estadual ou nacional.

O tema fica mais tangível com uma abordagem prática. Vejamos o caso de três das áreas mais essenciais do serviço público: saúde, educação e segurança. Em todas elas, a União, os estados e os municípios batem cabeça para definir responsabilidades e os respectivos financiamentos. Há funções essenciais que ficam descobertas. Noutros casos, parece haver duas esferas fazendo a mesma tarefa. Surgem ainda momentos em que as partes compartilham ou dividem atividades menores dentro de um contexto maior. Cada um faz um pouco. O resultado não pode ser outro que não um serviço público de má qualidade lá na ponta, para o contribuinte. Além de caro, é insuficiente.

Na saúde, o cidadão não sabe mais identificar responsabilidades. Só tem uma certeza: o atendimento está muito aquém de um conceito de dignidade humana, ressalvadas algumas ilhas de excelência. Na educação, as legislações conseguiram ser mais claras sobre os papeis, mas não dispuseram adequadamente sobre os recursos. Veja-se o caso do piso nacional do magistério. A origem da lei é federal, mas a obrigação de pagar afeta a todos os entes. E o diploma não diz de onde deve vir o dinheiro. O mesmo vale para o transporte escolar, cuja conta tem ficado com os municípios. Na segurança, embora as funções também estejam estabelecidas, cada dia mais as cidades estão tomando iniciativas, com ônus em seus cofres, para oferecer uma proteção mais assertiva à população. Os conselhos municipais de segurança, embora meritórios, mostram que as comunidades estão diante de uma distorção, e por isso ensaiam iniciativas próprias.

A mudança do pacto federativo é uma reforma que precisa estar na dinâmica de qualquer outra. A tributária, por exemplo, tem diversas implicações correlatas. É por ela que se definem a origem e a destinação do bolo tributário arrecadado, hoje excessivamente concentrado na União. A política, de igual modo. É o mecanismo que pode organizar melhor o papel dos entes federativos, especialmente para promover maior protagonismo das comunidades locais. São temas que o Congresso Nacional, historicamente, tem dificuldade para mexer, uma vez que desencadeiam uma série de interesses e resistências. Nessa batida, desde a Constituição, as contradições só têm aumentado.

O pacto federativo, portanto, discute a própria essência do país. Não pode estar subjugado à sua tecnicalidade. Nossa Federação foi ficando muito distante, cara, burocratizada, engessada e lenta. Desorganizou-se. É preciso virar esse jogo, especialmente dando mais autonomia de poder e recursos para os municípios. É ali, afinal, no chão das cidades, que a vida real acontece. E o Brasil, um país de forte diversidade comunitária, não pode continuar reforçando um poder central em detrimento aos demais que compõem a Federação. Reestudar esse acordo institucional é um passo decisivo para o futuro do país. Para os brasileiros.

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Germano Rigotto é ex-governador do Rio Grande do Sul e presidente do Instituto Reformar de Estudos Políticos e Tributários (www.germanorigotto.com.br).


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