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20 de fevereiro de 2018
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19:09

LGBTs: o que esperar de Marchezan e Sartori em 2018

Por
Sul 21
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LGBTs: o que esperar de Marchezan e Sartori em 2018
LGBTs: o que esperar de Marchezan e Sartori em 2018
“As previsões sobre o que pode acontecer são pessimistas se nos basearmos apenas no histórico recente nos dois níveis de gestão”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Gabriel Galli (*)

Pipocam demandas a serem resolvidas em campos como saúde, educação e gestão pública. É esperar demais que elas sejam tratadas com seriedade?

O ano de 2017 foi um dos mais estagnados em relação às políticas públicas para a população LGBT no Rio Grande do Sul e, em particular, em Porto Alegre. Se já não bastasse o tradicional desleixo com as pastas que envolvem Direitos Humanos, o discurso de que não há dinheiro serviu como justificativa para que quase nada fosse feito. Mas em 2018, o que podemos esperar dos governos municipal e estadual?

Como é um ano eleitoral, não seria uma surpresa se aparecessem recursos que há dois ou três meses eram inexistentes para financiar principalmente ações de marketing envolvendo a comunidade LGBT. E não falo nem em campanhas de formação pública, que são essenciais e atualmente pouco realizadas, mas de atividades pontuais que não resolvem os problemas e funcionam apenas como forma de autopromoção. Não seria raro e nem a primeira vez que isso acontece.

Se for mantido o discurso de precariedade, infelizmente podemos esperar que as pessoas em situação de vulnerabilidade se tornem ainda menos atendidas nos campos da saúde, assistência social e educação. Se a tendência de realizar cada vez mais privatizações do ensino continuar, podemos esperar que um número ainda maior de instituições religiosas assuma a educação de crianças e adolescentes, o que, com raras exceções, significa o distanciamento dos alunos das temáticas de gênero e diversidade.

As previsões sobre o que pode acontecer são pessimistas se nos basearmos apenas no histórico recente nos dois níveis de gestão. Por isso, gostaria de ir além e propor que se pense o que poderia acontecer se as políticas públicas para a população LGBT fossem levadas a sério.

Particularmente, espero que Marchezan e Sartori reconheçam a situação de extrema vulnerabilidade que a população LGBT vive no cenário local e nacional e, com isso, não tolerem mais posições preconceituosas públicas, como as tidas por diversos membros das suas equipes e partidos no episódio de censura à Queermuseu, no apoio às ações LGBTfóbicas do MBL e na ausência de posições firmes em relação à laicidade do Estado.

Espero que se leve a sério a saúde pública, valorizando quadros de carreira que há anos desenvolvem pesquisas em conjunto com os movimentos sociais nas áreas de saúde da população trans, prevenção ao hiv/aids e outras infecções sexualmente transmissíveis. Estes profissionais acumulam conhecimentos elaborados por muitos anos e estabeleceram redes de conexão com cidadãos que são complexas demais para ficarem à mercê das trocas de chefias e cargos de confiança. Nesse sentido, espero que finalmente saia do papel o ambulatório voltado às questões da população trans, conforme orientado pela Câmara de Vereadores de Porto Alegre no final do ano passado, e que os serviços socioassistenciais sejam mais interligados.

Ainda no campo da saúde, espero que o governo do Estado dê a devida atenção ao fracionamento de medicamentos para as pessoas que vivem com hiv/aids, que veem seu direito à saúde dificultado principalmente na região metropolitana de Porto Alegre, e que haja informação correta sobre a Profilaxia Pré e Pós-Exposição ao HIV (PEP e PrEP). Começaram a se tornar comuns relatos de pessoas que achavam que era fácil ter acesso ao método, mas que, ao chegar aos serviços públicos, descobrem que não é tão simples.

Espero que principalmente a prefeitura de Porto Alegre não veja os movimentos sociais como inimigos, mas que se entenda o papel crítico necessário para que o controle social seja bem feito. Não podemos resumir a democracia na possibilidade de votar apenas a cada quatro anos. Faz parte ter um ecossistema forte de instituições sociais e educacionais que se dediquem a pensar temas específicos e negociar o andamento dos rumos da cidade.

Espero que os gestores reconheçam a situação inadmissível dos conselhos de direitos, como o Conselho Municipal de Direitos Humanos e o Conselho Estadual LGBT, que por mais que contem com representantes competentes de movimentos sociais, sofrem historicamente com o aparelhamento por parte do estado e com a falta de recursos para que o papel fiscalizador seja executado. E espero que a prefeitura de Porto Alegre, em especial, reative o grupo de trabalho garantido em lei que deveria estar reunindo representantes de todas as secretarias e empresas públicas, orientados pela Coordenadoria da Diversidade Sexual, para prestar um atendimento mais digno à população LGBT.

Espero que Marchezan e Sartori deem a atenção devida e visibilidade às legislações já existentes, como o Artigo 150 da Lei Orgânica do Município de Porto Alegre, que estabelecem que pessoas LGBTs não podem ser discriminadas em espaços públicos. E que se crie uma cultura de transparência em relação aos dados das denúncias.

Por falar em transparência, cairia muito bem que os governos apresentassem prestações de contas e balanços das ações das coordenadorias LGBTs e que exponham essas informações para a análise de ativistas e jornalistas. Precisamos lembrar que transparência não diz respeito apenas ao que já foi feito, mas também ao que se pretende executar. Urge que se realizem reuniões públicas de avaliação das políticas públicas dessas pastas. Talvez essa seja a principal questão: um ano depois do começo do governo de Marchezan e três anos depois do início da gestão artori, ão temos nenhum indicativo de quais são os planos concretos em relação às políticas públicas para LGBTs a curto, médio e longo prazos. Já houve tempo suficiente para que isso fosse planejado: a hora é de mostrar, debater e executar seguindo as orientações das conferências municipais e estaduais que já foram realizadas e que parecem ser completamente ignoradas.

É esperar demais? Talvez. Mas que pelo menos não digam que não sabiam o que poderia ser feito.

(*) Gabriel Galli é jornalista, mestrando em Comunicação Social, coordenador geral do SOMOS – Comunicação, Saúde e Sexualidade; e membro do grupo Freeda – Espaços de Diversidade.


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