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2 de dezembro de 2017
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10:30

Apesar de você, o arco-íris brilhou

Por
Sul 21
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Apesar de você, o arco-íris brilhou
Apesar de você, o arco-íris brilhou
“A 21ª Parada Livre foi um exemplo de como a união do movimento social LGBTI+ é potente”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Gabriel Galli (*)

A 21ª Parada Livre, realizada no último domingo (26) em Porto Alegre, foi um exemplo de como a união do movimento social LGBTI+ é potente. No começo do ano, recebemos a já esperada negativa da Prefeitura de Porto Alegre em dar apoio ao evento. A justificativa era de que nenhuma festa popular teria apoio pela falta de dinheiro em caixa.

Dinheiro para passear com assessores em Paris, tem.

Dinheiro para contratar pessoas do MBL como cargo de confiança e dar aumento a secretários, tem.

Tempo? Também tem. A Coordenadoria da Diversidade Sexual, por exemplo, foi à Parada Livre, mas se dedicou a divulgar o Queens Festival, um evento privado que não trará nenhum retorno direto às políticas públicas LGBTs e está cobrando ingressos de até R$154.

Mas recursos para políticas públicas é mais difícil. No fim das contas, o papel da prefeitura foi cobrar taxas antes nunca cobradas para a utilização de serviços públicos que todos nós já pagamos por meio de nossos impostos. Vai entender essa lógica de não ajudar e ainda atrapalhar? Eu não entendo.

É bem triste que os gestores públicos tenham uma visão tão superficial do que significa um evento como a Parada Livre. É uma festa? Com certeza. E é importante que seja. Para uma população tão vulnerabilizada quanto a LGBT, que muitas vezes precisa se esconder para lidar com o preconceito, colocar a cara no sol é mais que necessário, é político. Mas não é apenas isso. Com uma realidade tão grande de violência e perda de direitos, ir para um espaço público e encontrar mais de 80 mil pessoas que também lutam pelas mesmas demandas mostra que você não está sozinho e isso também é política pública. E das boas.

Nos governos estadual e federal, o apoio também foi nulo. Nada mais que um “boa sorte lá, gente!” de órgãos que em outros momentos de fato reconheciam a relevância da manifestação. E arrasamos, graças ao trabalho incansável de militantes que entendem a necessidade de mostrar que se os retrocessos estão acontecendo, parados nós não ficamos.

A realização da parada marcou também a aproximação de empreendedores de pequeno e médio porte que, mesmo em um cenário tão difícil economicamente, espremeram o que conseguiram dos seus orçamentos para estar presentes. Seja colaborando com a alimentação de artistas e organizadores durante o dia, doando recursos para a produção de material gráfico, organizando festas e debates, vendendo bottons, camisetas e canecas, enfeitando os trios elétricos ou levando suas equipes inteiras para vivenciar esse momento, pequenas doações significaram muito. Os movimentos sociais reativaram suas relações com a cidade e isso, além de necessário, foi vital.

Constato com certo espanto que grandes players multinacionais que se orgulham dos seus programas de diversidade não conseguiram alocar recursos para apoiar o maior movimento popular LGBT da região. A notícia boa é que esse é o momento de planejar e colocar isso como uma prioridade para os próximos anos, que, mais uma vez, não trazem boas perspectivas em relação ao apoio dos governos.

Do fundo do coração, gostaria que os gestores públicos que olham para a parada simplesmente como uma festa que gera custos ou como uma oportunidade de autopromoção tivessem tido a oportunidade de andar pelo meio de tanta gente reivindicando por seus direitos com tanta alegria e emoção. Quase uma semana depois, ainda não pararam de chegar a mim os relatos de pessoas que, motivadas pela energia do momento, querem se engajar cada vez para mais construir uma sociedade em que os direitos humanos são valorizados. Talvez seja isso que falte: contato com o outro sem segundas intenções.

Mas a realidade não é tão simples. Passada a parada, os urubus já começam a se mostrar. Iniciou a corrida de partidos de direita e alguns militantes isolados de esquerda para construir um movimento que preza mais a visibilidade de certos candidatos ao parlamento do que a crítica social e a luta por direitos. O ano de 2018 será intenso, mas sinto que estamos mais fortes do que estávamos antes para enfrentá-lo e dar nosso berro contra os retrocessos.

(*) Gabriel Galli é jornalista, mestrando em Comunicação Social, coordenador geral do SOMOS – Comunicação, Saúde e Sexualidade; e membro do grupo Freeda – Espaços de Diversidade. 


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