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9 de novembro de 2017
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12:27

OAB é removida da presidência do Conselho Estadual LGBT: o que isso significa?

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Sul 21
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OAB é removida da presidência do Conselho Estadual LGBT: o que isso significa?
OAB é removida da presidência do Conselho Estadual LGBT: o que isso significa?
A situação do Conselho LGBT simboliza um problema muito maior, que é a inefetividade dessas instâncias e o descaso com elas, tanto da sociedade civil quanto na gestão pública. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Gabriel Galli

Talvez uma das questões mais presentes nos últimos anos nas falas dos movimentos sociais que tenho acompanhado é a necessidade de os governos ouvirem as pessoas que trabalham diretamente com os problemas vividos. Daí a importância dos conselhos de direitos, que reúnem cidadãs e cidadãos em instâncias participativas justamente com o objetivo de trazer novos olhares para a gestão e fiscalizar o poder público, algo básico na democracia. Por isso, causa surpresa um movimento que aconteceu recentemente no Conselho Estadual de Promoção dos Direitos LGBT (CELGBT): descontente com a atuação da presidência, o coletivo de ONGs solicitou a destituição do presidente atual alegando descaso com a gestão e blindagem do governo Sartori.

A presidência estava sendo ocupada até o final do outubro passado pelo advogado e presidente da Comissão de Diversidade Sexual e Gênero da OAB/RS, Leonardo Vaz. Já a vice-presidência era da professora e responsável pela Coordenadoria de Diversidade Sexual do governo do Rio Grande do Sul, Adriana Souza, que renunciou após a demonstração de descontentamento das entidades. Para entender o que isso significa, é importante que se saiba como esse processo aconteceu.

O militante do grupo Outra Visão Vinicius Lara contou à coluna que a vice renunciou por entender que a presidência não estava dando encaminhamento às demandas do pleno do conselho. A essa visão, se somaram as lideranças de outras ONGs, que alegavam não haver representação da sociedade civil na atual gestão. Lara me contou que a OAB foi convocada diversas vezes para discutir o assunto e se ausentou demonstrando descaso. O conselho se reúne apenas mensalmente, salvo raras exceções, e o regimento estabelece um número de faltas máximo que cada conselheiro pode ter. De acordo com ele, Leonardo não cumpriu com essa exigência e, portanto, não poderia mais exercer a função.

– A presidência da OAB blindava o Governo do Estado de qualquer crítica – disse Vinícius.

O militante Célio Golin, da ONG Nuances, concorda com essa visão. Ele me disse que o conselho não estava cumprindo sua obrigação de ser fiscalizador e propositor de políticas públicas para a população LGBT. Um outro exemplo seria o desmonte do grupo de políticas LGBT da Secretaria de Segurança, que foi responsável, entre outras coisas, pela implementação da carteira de nome social para travestis e transexuais, em que o conselho não tomou as providências devidas.

Já Marcelly Malta, da Igualdade – Associação de Travestis e Transexuais do RS, lembra do caso envolvendo uma suspeita de estupro de uma mulher trans no Presídio Central de Porto Alegre que aconteceu recentemente. A crítica é que a presidência não cobrou investigação por saber que a responsabilidade é do governo do Estado. Ela fez uma ressalva de que, apesar dos problemas, Vaz teve uma boa atuação enquanto vice-presidente de uma gestão anterior do conselho.

– Não adianta você aparecer como presidente do conselho na mídia e não ter o que falar sobre o que foi feito – complementa ela.

Procurei falar com o ex-presidente do CELGBT, Leonardo Vaz. Ele me respondeu que nunca foi notificado e que estava sabendo da situação apenas pelo meu contato. Segundo Leonardo, o problema era causado por conflito de agendas da mesa diretora e que ele mesmo buscaria afastamento em breve por não conseguir mais conciliar todas as atividades. Alguns dias depois, Vaz encaminhou uma mensagem ao grupo comunicando que se afastaria da presidência por questões de cunho pessoal e de agenda, ressaltando que foi um membro ativo da construção do espaço desde 2013. Conselheiros rebateram afirmando que a decisão de sair já não pertencia a ele por já não ser mais o presidente. No dia 7 de novembro a ativista Priscila Leote do Outra Visão foi eleita a nova presidenta e Marcelly Malta ficou como vice.

Agora, fora a situação complexa envolvendo a gestão anterior, penso que é necessário fazermos uma avaliação coletiva de como estamos tratando os espaços de participação social e que tipo de democracia queremos construir. A situação do Conselho LGBT simboliza um problema muito maior, que é a inefetividade dessas instâncias e o descaso com elas, tanto da sociedade civil quanto na gestão pública. Se por um lado temos organizações que não comparecem a reuniões, por outro estamos carentes de uma visão, dentro dos governos, que compreenda não ser possível governar de forma democrática sem a participação do povo. É por isso que existem esses espaços. Para lembrar que o Estado não deve ser propriedade de um pequeno grupo que vai ocupar os palácios públicos por quatro anos ou um pouco mais.

Gestão pública se faz valorizando os conhecimentos gerados por grupos e pessoas que se dedicam a estudar os temas importantes para a sociedade. É arrogância demais pensar que a visão de um governo, muitas vezes recém formado e inexperiente, baste para ter uma gerência madura e responsável do futuro de milhares de pessoas. Democracia é mais que partidos políticos e cargos em comissão.

O descaso fica expresso quando vemos que a maior parte dos conselhos são loteados por representantes do governo ou afiliados ideologicamente, que barram críticas e pedidos de mudanças no planejamento já estabelecido por gestores. Pior é quando, em batalhas hercúleas, conselheiros conseguem passar alguma recomendação que, por ser apenas uma recomendação – já que não há obrigação legal, são sumariamente ignoradas pelas secretarias.

No grupo SOMOS – Comunicação, Saúde e Sexualidade, nossa participação em conselhos com frequência volta a ser pauta de conversas. Nos questionamos seriamente sobre a efetividade de participar desse tipo de instância. De que adianta se mobilizar física e emocionalmente se no fim das contas quem decide as coisas é o governo? Ou não decide nada e só trata o grupo como algo sem importância, para tornar a situação ainda mais frustrante.

Não é nenhum segredo que a maioria das organizações sociais sem fins lucrativos sofrem com a falta de recursos para manter suas atividades, cenário muito motivado pelo desinvestimento em políticas sociais de governos recentes. Abrir mão de um dia de trabalho que poderia estar sendo usado para sustentar a própria família ou a si mesmo, vale a pena para lidar com situações como a descrita neste texto? Ainda mais em horário comercial, opção essa para priorizar a presença de funcionários do governo.

Não tenho respostas fechadas para essas questões, mas suspeito que em períodos de tanto conservadorismo e com setores tentando aniquilar direitos conquistados com suor, sangue e tempo, se não tomarmos as rédeas da situação, voltaremos a um quadro de invisibilidade e violação de direitos humanos ainda maior do que o vivido hoje. Se às pessoas que demandam direitos não se der atenção, talvez não tarde para que as barricadas se façam ouvir mais alto nas ruas.

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Gabriel Galli é jornalista, mestrando em Comunicação Social, coordenador geral do SOMOS – Comunicação, Saúde e Sexualidade; e membro do grupo Freeda – Espaços de Diversidade. 

 

 

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