No próximo dia 27 de outubro o Grupo de Trabalho sobre a Livre Orientação Sexual (GTLOS) da Prefeitura Municipal de Porto Alegre completa 12 anos. Ou melhor, completaria, se não tivesse sido desativado e abandonado pelo poder público. O descaso com uma ação pioneira e que poderia servir de exemplo em gestão pública para o Brasil demonstra como o problema das políticas em direitos humanos não é fruto apenas da falta de dinheiro, mas também da inexistência de vontade e competência dos gestores.
O GTLOS foi criado em 2005 com um decreto do então prefeito José Fogaça. O objetivo era reunir representantes de todas as secretarias e órgãos de governo para, junto com movimentos sociais, discutir políticas públicas sobre diversidade sexual e de gênero, sensibilizar servidores sobre a temática, promover ações para a eliminação das desigualdades estimulando o desenvolvimento de políticas anti-discriminatórias, elaborar campanhas, e, talvez o mais importante, construir um banco de dados com informações estatísticas que permitam estudos e diagnósticos sobre a desigualdade. Esses dados, aliás, quase não existem no país. E se não há dados, o problema não é visível. Se não existe problema, não há nada que precise ser resolvido.
O GT é hoje responsabilidade da Coordenadoria Municipal da Diversidade Sexual, atrelada à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social e Esporte, que é dirigida por Maria de Fátima Záchia Paludo. A ideia era que o grupo se reunisse quinzenalmente e discutisse como cada uma das pastas poderia colaborar em diversos setores.
Isso, na prática, nunca aconteceu dessa forma, mas a situação se tornou ainda mais grave no governo Marchezan: de acordo com relatos de fontes da SMDSE à coluna, o rebaixamento da Secretaria Adjunta de Livre Orientação Sexual (SALOS) em coordenadoria teria dificultado o processo de gestão do grupo de trabalho, o que fez com que o GT não se encontrasse neste ano, desde o início da nova gestão municipal.
Ao mesmo tempo, a demora para a definição do papel de lideranças na área de direitos humanos fez com que as demandas se acumulassem sem reponsáveis específicos, por mais que o decreto no artigo 6º diga que o grupo pode solicitar a colaboração de servidores da prefeitura quando necessário para executar as ações. Durante a gestão de Mário Humberto Morocini de Azambuja Júnior na Salos, o grupo chegou a se reunir no calendário habitual. Já durante as gestões seguintes, se reuniu apenas para questões pontuais, como a construção da Conferência Municipal LGBT.
O grupo tem tamanha importância que já teve suas ações analisadas inclusive em pesquisas acadêmicas. Durante a graduação em políticas públicas na UFRGS, Renata da Silva Bruscato, com orientação da professora Luciana Leite Lima, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, percebeu que o GTLOS era uma política inovadora, mas não funcionava por falta de articulação da prefeitura.
Inicialmente, o grupo tratava mais de denúncias de discriminação, mas depois as demandas foram mudando. Com o passar do tempo, segundo a pesquisadora, ficou claro que o interesse das secretarias em mandar representantes para a reunião era baixo, já que apenas metade delas participava dos encontros. Para piorar a situação, muitos dos representantes eram cargos de confiança que, com a mudança dos arranjos nas indicações, simplesmente sumiam e levavam consigo o histórico de elaboração do grupo perante ao órgão que representavam.
Depois de insistir para que as secretarias participassem sem sucesso, o GTLOS se abriu mais para a participação dos movimentos sociais, que já eram os que mais frequentavam as reuniões mesmo. No trabalho de Renata fica registrado, inclusive, que a secretária da SALOS na época, Glória Crystal, assumia que o GT era convocado apenas esporadicamente por não haver interesse dos órgãos de governo.
O problema para a prefeitura foi que as ONGs começaram a tensionar: se o objetivo do GT era sensibilizar o governo, como que ele não participava? A incapacidade da secretaria em resolver a situação tornou desconfortável que as atividades continuassem. Hoje, prefere-se não convocar ninguém para reunião alguma. É melhor, já que as reclamações assim não chegam.
O que leva um órgão que deveria estar realizando a articulação do poder público para enfrentar a LGBTfobia a não ter interesse em colocar em prática a reunião de um grupo de trabalho garantido por decreto municipal? Grande parte da dificuldade em garantir políticas públicas está na inexistência de legislação que as garanta, o que não acontece nesse caso.
Mais uma vez, fica claro como a pauta da defesa dos direitos LGBTs tem servido apenas para que Marchezan pareça sensível às populações mais vulneráveis. Na prática mesmo, a ação é cosmética: parece que funciona, mas não funciona. Parece que é valorizada, mas não há recursos para executar políticas públicas. Fica bonito mesmo apenas para escrever notícia, tirar fotos e acumular curtidas no Facebook.
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Gabriel Galli é jornalista, mestrando em Comunicação Social, coordenador geral do SOMOS – Comunicação, Saúde e Sexualidade; e membro do grupo Freeda – Espaços de Diversidade.