No mundo non me sei parelha,
Mentre me for como me vay,
Ca já moiro por vos – e ay!
Mia senhor branca e vermelha,
Queredes que vos retraya
Quando vus eu vi ensaya!
Cantiga da Guarvaya (1189)
Carolina Michaëlis considera ser esta cantiga de autoria de Paio Soares de Taveirós, um dos mais antigos documentos da língua portuguesa. Foi entre os dialetos do norte, precisamente o galeziano ou galego, falado entre o Douro e o Minho, no qual foi composta a cantiga, o precursor de nossa língua.
Tomando o século XII como o período inicial do português histórico, distinguem-se duas fases principais: a do português antigo, que é a linguagem escrita usada até fins do século XV e a do português moderno, empregado dessa época em diante. Este, subdivide-se nas fases quinhentista, seiscentista e moderna. Publicaram-se na fase quinhentista alguns romances da cavalaria, mas a época foi, sobretudo, fecunda no gênero poético e em narrações relativas às conquistas marítimas. Camões não foi propriamente o criador do português moderno, mas, na verdade, o libertou de certos arcaísmos e foi quem burilou a frase portuguesa, aproveitando todos os recursos de que dispunha o idioma para representar as ideias de forma elegante, enérgica e expressiva. Reconhecida a superioridade da linguagem camoniana , a sua influência fez-se sentir na literatura portuguesa até nossos dias.
A pergunta que deve ser feita é das causas históricas e sociais que transformaram um dos vários dialetos primitivos falados na península ibérica, o galego, em língua nacional. Antes, no entanto, deve-se estabelecer as diferenças entre língua e dialeto.
Em sua origem, toda língua é um dialeto. Assim, o italiano foi a princípio o dialeto da Toscana, o espanhol, o de Castela, o francês, o da Ilha de França.
Língua e dialeto são, pois, termos relativos. O italiano, o francês, o espanhol, o português, por exemplo, que hoje constituem verdadeiras línguas nacionais, outrora eram apenas simples dialetos regionais, transformados do latim.
Há um conhecido aforismo que, talvez, explique esta transformação:
“Para um dialeto regional se tornar uma língua nacional necessita possuir três requisitos: um livro, um banco e um canhão”. Foi o que fez do toscano, um dos centenas de dialetos existentes desde o Tirol, Alto Adige e Lombardia até a Calábria e a Sicília, se estabelecer como a língua adotada por toda a Itália. Na Toscana, viveram e reinaram os Medicis com todo seu poder econômico. Tinham também uma poderosa armada e finalmente lá foi editada a Comèdia do Divino Dante.
E hoje, o idioma inglês norte-americano, amparado pelo poder dos bancos, imposto pelo maior e mais poderoso exército da história humana e disseminado pela mundializada rede de comunicações, se tornou nossa segunda (ou primeira) língua.
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Franklin Cunha é médico, membro da Academia Rio-Grandense de Letras.