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12 de novembro de 2017
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20:05

Maternidade, pobreza, violência

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Maternidade, pobreza, violência
Maternidade, pobreza, violência
Quando a Santa Casa de Misericórdia atendia indigentes, num trabalho prospectivo lá realizado, demonstramos que o maior fator de risco gestacional era a pobreza. |Foto: Pixabay

Franklin Cunha

As ainda altas taxas de mortalidade materna no Brasil são devidas a múltiplos fatores, quase todos independentes  do âmbito médico-hospitalar.

Quando a Santa Casa de Misericórdia atendia indigentes, num trabalho prospectivo lá realizado, demonstramos que o maior fator de risco gestacional era a pobreza. Esta se consubstanciava na falta de saneamento ambiental, desnutrição, moradias precárias e congestionadas, ausência de consciência política e cidadã, as quais, sustentadas pela desinformação produziam a marginalidade pessoal e social e as altas taxas de mortes no ciclo grávido-puerperal.

A gravidez não é uma doença física, mas acontece num corpo de mulher inserido num contexto psico-econômico-cultural em que a maternidade é vista frequentemente como uma doença social. É surpreendente a divulgação que se dá, às simplórias afirmações de respeitáveis e competentes personalidades públicas, de que a solução de nossos problemas sociais se resume simplesmente na redução da natalidade. E no consciente coletivo, esta tese que não suporta uma análise comparativa com outros países, é aceita e divulgada de forma reflexa e acrítica.

Não é de se estranhar, portanto, que sejam em nosso país, tanto a mortalidade materna como a infantil, encaradas como fenômenos insolúveis, quase naturais, consciente e conscientemente negligenciadas.

Senão como explicar a ausência de critérios e de políticas que reduzam o enorme e inamovível genocídio de mães e crianças brasileiras quando países muito mais pobres do que o nosso já se livraram deste pecado e desta culpa?

Como entender taxas de mortes maternas muito menores do que as brasileiras, em países como a Estônia, a Albânia, Cuba, Costa Rica, Uruguai e Chile, por exemplo? Todos eles reunidos não têm a quinta parte do PIB do eterno “gigante adormecido”, anestesiado pela indiferença e desinformação.

Uma explicação que nos ocorre é que enquanto distribuímos mal nossa riqueza, eles distribuíram bem sua pobreza. E por isso, de maneira inteligente e séria, não se prenderam somente a soluções tecnológicas e tecnocráticas e portanto caras, mas adotaram o velho e primário lema de que é melhor – e mais barato – prevenir do que remediar. E a prevenção das doenças e suas consequências, em geral se faz com pouca tecnologia, pouca demagogia mas com muito respeito, carinho e solidariedade  aos nossos semelhantes.

As três medidas básicas baratas e sem sofisticação tecnológica  que realmente diminuíram alguns pontos da mortalidade infantil, foram: o estímulo ao aleitamento materno prolongado, o soro caseiro e as vacinações periódicas e amplas.

A dispendiosa monitorizacão eletrônica, introduzida intensamente em nossas maternidades nos últimos trinta anos, não conseguiu diminuir a mortalidade materna e perinatal, mas aumentou as taxas de cesarianas, as mais altas do mundo.

De pouco adiantam portanto, equipamentos e procedimentos médicos altamente sofisticados quando as próprias causas da mortalidade materna,como a hipertensão, as hemorragias e as infecções bacterianas e virais, estão dando lugar  a fatores ligados a comportamentos e relacionamentos sociais altamente conflituosos gerados por nossas opções e estilo de vida. E por relacionamento impessoal entre médicos e pacientes

Tanto no Rio Grande do Sul como no Brasil em geral, aumentaram agudamente nos últimos anos, as mortes maternas violentas, sejam por acidentes de trânsito, de trabalho e homicídios. Também, cresceram  de forma assustadora as mortes de gestantes e de  seus filhos por infecção pelo HIV e a tal ponto que, se a curva ascendente assim permanecer, é possível que em poucos anos, as mortes por esta doença e pela violência, serão em maior número que aquelas devidas a todos outros fatores tradicionais reunidos.

As orientações, portanto, a ser adotadas para a diminuição das mortes maternas, são cientificamente singelas e de escassa resolução técnica e médica, mas de importantes e decisivas ações de ordem político-econômicas e sociais.

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Franklin Cunha é médico e membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 


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