Nossa lógica cultural nos incutiu a ideia de que a definição do gênero só se estabelece mediante um posicionamento heterossexual e que as ameaças à heterossexualidade são vistas como ameaças ao próprio gênero. Consequentemente, desejos homossexuais podem provocar – sejamos homem ou mulher – o receio de estarmos perdendo nossa masculinidade ou feminilidade, com as conhecidas e deletérias consequências pessoais e sociais ainda vigentes.
A heterossexualidade se impõe não somente pela proibição do incesto, mas também estabelecendo-se a proibição da homossexualidade. O conflito edípico pressupõe que a criança desde que nasce já tem desejos heterossexuais e que já sabe distinguir a hétero da homossexualidade.
Na realidade, as crianças nascem com sexo e sem gênero porque os genes – apenas e somente – codificam proteínas e não comportamentos sexuais, tão complexos e de componentes culturais tão variados e múltiplos.
O relato freudiano afirma que as mulheres se sentem castradas e, em nossa cultura, sua relação com a norma falocrática é a inveja do pênis. E que os homens são possuídos pelo temor da castração e de sucumbir dita inveja, que afinal se trata de um detalhe anatômico que representa o poder cultural do falo. Portanto, se um homem se nega de forma radical a ter um falo, ele é “castigado” com a homossexualidade e se uma mulher se nega de forma radical a assumir sua posição de castrada, também será “castigada” com a homossexualidade.
E, se sabe, que há homens que têm pênis, mas não têm falo, assim como há mulheres que não têm pênis, mas têm falo ou desejo de possuí-lo.
Nas relações eróticas, (hétero ou homossexualidade, sexualidade gay, lesbianidade e outras orientações sexuais em geral) as características do ator sexual e de sua conduta são cada vez mais reconhecidas como um artefato especificamente cultural, histórico e com para-efeitos na economia de mercado. A construção social da sexualidade e suas ligações com a conduta não sexual, são específicas das circunstâncias culturais e históricas de uma determinada ordem social. Principalmente, tendo-se consciência ou não, de que somos produtos de uma bimilenar e arraigada tradição judaico-cristã da qual, mesmo depois do iluminismo freudiano e lacaniano, até hoje sofremos todas as suas consequências.
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Franklin Cunha é médico e membro da Academia Rio-Grandense de Letras.
[Imagem por 123home123 – Own work, CC BY-SA 4.0, Link]