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27 de julho de 2020
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12:03

O Ministério da Economia não desiste de seus projetos impopulares

Por
Sul 21
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O Ministério da Economia não desiste de seus projetos impopulares
O Ministério da Economia não desiste de seus projetos impopulares
Foto: Marcos Correa/PR

Flavio Fligenspan (*)

Desde os primeiros dias do Governo Bolsonaro o Ministério da Economia deixou claro que tinha o seu diagnóstico da economia brasileira e o que acreditava serem as soluções para os problemas identificados. Se o Governo como um todo sempre pareceu perdido em relação à elaboração de um projeto nacional, o que já se verificava desde a campanha eleitoral em 2018, o Ministério, como que independente do Governo, tinha seus pontos de referência e seus próprios projetos. A reforma da previdência era um deles, dos primeiros na escala hierárquica; privatizações generalizadas, aumento da competição no mercado financeiro e simplificação tributária também faziam parte do cardápio.

E havia também alguns subprojetos na lista, muitos até mesmo simbólicos e também bem funcionais, isto é, que mexiam em pontos delicados e de expressão da vida nacional e que amparavam diversas políticas públicas, inclusive alterando as contas de receitas e despesas. Como o mundo da negociação política é bem mais complexo do que os planos desenhados em salas fechadas de reuniões com tecnocratas, muitos desses projetos já ficaram pelo caminho, tanto mais pelas dificuldades impostas pela personalidade do Presidente, em especial na situação extrema criada pela pandemia. Outros projetos permanecem na lista do Ministério como pedra angular, teimosamente, apesar de não contarem com a simpatia do centro do Governo, de já terem sido barrados no Legislativo e no Judiciário e não granjearem nenhum apoio popular.

Um deles é a recriação da odiada CPMF, cuja defesa enfática já custou o cargo de um Secretário do Ministério ainda no primeiro ano do Governo. De forma esporádica, o Ministério traz à tona novamente a idéia, agora (mal) disfarçada, como se fosse possível enganar a sociedade em geral e o Congresso, em particular. Ora, deputados e senadores sabem bem o peso de aprovar um imposto super impopular e com incidência “em cascata”, já conhecido de todos e, por isso, repudiado por todos. No caso específico, nem é possível defendê-lo com base em algum argumento técnico; trata-se somente de buscar uma fonte adicional e significativa de arrecadação.

Outra idéia da qual o Ministério ainda não desistiu, apesar de derrotada na reforma da previdência, é a da constituição de fundos de capitalização privados para bancar os planos de aposentadoria. O debate a esse respeito desapareceu da grande imprensa ainda no ano passado, quando se chegou ao final da negociação para a reforma e ela não passou. No entanto, ao que se sabe, o Ministério não desistiu, visto que há um apelo enorme pela construção de imensos fundos de recursos que somente seriam usados pelos seus depositantes no médio/longo prazo, podendo financiar grandes projetos de infraestrutura. É sabido que a inspiração do projeto se encontra, entre outros, no caso chileno, seguindo um modelo admirado pelo Ministério e com problemas graves e bem conhecidos, como o do valor minguado das aposentadorias e a miséria de milhares de trabalhadores.

Um terceiro projeto é o da criação de uma forma paralela de contratação de mão de obra pelas empresas privadas, praticamente sem os custos das chamadas “leis sociais” e com muito mais flexibilidade de administração das jornadas de trabalho – flexibilidade de acordo com as necessidades das empresas, não dos trabalhadores – e menos restrições e ônus para demitir. Trata-se, na prática, de mais um passo na linha de que foi a reforma trabalhista de Temer, desta feita com ainda mais desregulamentação e menos proteção social. Se já foi cruel a reforma de Temer, que foi vendida publicamente como a favor da criação de empregos, esta é muito pior, até porque o momento histórico é de maior dificuldade para quem busca ocupação. O projeto, que nasceu com o nome de “carteira de trabalho verde amarela” já foi afastado pelo Congresso, mas permanece nos sonhos do Ministério, como ficou claro na famosa reunião de 22 de abril.

Importa observar que nenhum destes projetos tidos como referências para o Ministério oferece algo de positivo para os trabalhadores. Pelo contrário, eles propõem aumento de flexibilização e de desregulamentação no mercado de trabalho, desobrigação do Estado e incremento de tributação e aumento de preços. Apesar do discurso oficial, pouco ou nada agregam em termos de crescimento do PIB, este sim o grande projeto que deveria ser perseguido por qualquer governo, pois que num ambiente de crescimento sustentado até mesmo os mecanismos de mercado fariam, naturalmente, seu papel no sentido de aumentar a demanda por mão de obra, diminuir a informalidade e elevar o rendimento médio. Mas este não é um projeto deste Governo.

(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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