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11 de maio de 2020
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11:00

A importância do investimento estatal na retomada da atividade

Por
Sul 21
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A importância do investimento estatal na retomada da atividade
A importância do investimento estatal na retomada da atividade
Comércio de Porto Alegre. Rua Voluntários da Pátria. Foto: Luiza Castro/Sul21

Flavio Fligenspan (*)

Não se tem a menor idéia de quanto ainda vai durar o distanciamento social necessário para evitar uma tragédia maior do que a que estamos vivendo. Infelizmente, falta muito para termos controle sobre a situação sanitária e começarmos a enxergar números menos dramáticos de infectados e mortos, a ponto de se projetar uma volta à “normalidade”, isso sem falar de uma possível segunda onda de contaminação. A retomada da atividade econômica necessariamente fica na dependência da solução da crise sanitária.

O que já é certo é uma expressiva taxa negativa de crescimento do PIB em 2020 e talvez uma suave recuperação em 2021, mas já há quem comece a projetar também taxa negativa ou próxima de zero para este ano. As razões para tal pessimismo estão no fato de não se identificar de onde viriam os estímulos para o crescimento. As famílias estarão endividadas e com sérias dúvidas sobre o futuro do emprego e dos rendimentos, as empresas estarão trabalhando com elevada capacidade ociosa e também terão muitas dúvidas sobre o futuro e o mercado internacional vai se recompor com lentidão e, provavelmente, com preços em baixa. Assim que exportar, afora o pequeno peso de nossas exportações no PIB, não representará uma saída fácil e suficientemente forte.

Por outro lado, a pandemia nos legou um reforço na discussão que antes já era óbvia, mas sempre adiada: a necessidade de atender às camadas mais baixas da distribuição de renda com amplos investimentos nas mais diversas áreas de infraestrutura, desde saneamento básico até saúde, passando por mobilidade urbana e tantas outras. Há demanda inesgotável para projetos nestas áreas e há possibilidade de arregimentar fatores para construir e equipar redes de esgoto, hospitais, linhas de trens e metrôs e corredores de transporte urbano, sabidamente grandes geradores de emprego.

Parece que este será um caminho natural – ou único – para uma retomada da atividade. A pergunta que fica é quem liderará estes projetos e com que arranjo financeiro? Acho que não escaparemos da participação ativa do Estado, pelo menos num primeiro momento e como uma tentativa de mostrar o caminho e estimular o setor privado. Isto bate de frente com a orientação atual do Ministério da Economia, que não encontra espaço no orçamento para tal empreitada, não admite endividamento com este objetivo e, mais que isso, é ideologicamente contrário à presença do Estado na economia em geral e na infraestrutura, em particular.

Contudo, e independentemente da posição do Ministério, não haverá alternativa dentro do prazo político necessário do Governo. Em 2021 já estaremos no terceiro ano do mandato e a política econômica atual não conseguirá entregar o crescimento que a sociedade exige, tanto mais diante dos efeitos negativos da pandemia. As reformas que levariam ao crescimento, na opinião do Ministro, na melhor das hipóteses produziriam resultados lentos, além de se duvidar de sua efetividade.

Para piorar, uma delas, a mais diretamente ligada à infraestrutura, já está defasada diante das mudanças impostas pela pandemia. A idéia de alterar os marcos regulatórios para trazer o investimento privado, nacional e estrangeiro, foi pensada para um tempo e para condições que não existem mais e agora está na dependência dos tomadores de decisão se sentirem seguros de como será o novo mundo pós pandemia. As respostas não serão rápidas e nem sempre serão positivas para investimentos em países como o Brasil, especialmente em razão da insegurança que causa um governo sem coordenação, que agride parceiros internacionais e que está permanentemente em crise.

A chamada ala militar que cerca o Presidente já entendeu este ponto e, junto com os Ministérios da Infraestrutura e do Desenvolvimento Regional, lançou em abril a idéia do investimento estatal, recebido com repúdio pelo Ministro da Economia, que, para rechaçar a proposta, a comparou ao PAC dos governos petistas, o que, para o Ministro, bastaria para afastá-la. Efetivamente, existem muitos aspectos que jogam contra a presença do Estado em projetos desta ordem: no âmbito jurídico, cultural, político, de regulação, de fiscalização, todos conhecidos e, portanto, passíveis de correção.

Por que, então, não propor um ajuste na lista de reformas encaminhadas ao Congresso com modificações, por exemplo, no marco legal que rege as obras públicas, tal como alterar a Lei 8.666, voltar a oferecer confiança aos agentes financiadores (BNDES, por exemplo), estabelecer parcerias com o Ministério Público e o TCU, para destravar o investimento em infraestrutura? Ou o Ministério da Economia acredita que reformas necessárias, como a tributária – ainda que carregue enorme incerteza sobre a distribuição do ônus do financiamento do Estado – seriam suficientes para reativar uma economia super fragilizada?

(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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