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23 de março de 2020
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11:09

Sai Ipiranga, entra Exxon Mobil

Por
Sul 21
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Sai Ipiranga, entra Exxon Mobil
Sai Ipiranga, entra Exxon Mobil
Ruas de Porto Alegre esvaziadas devido ao coronavírus. Av. Independência. Foto: Luiza Castro/Sul21

Flavio Fligenspan (*)

Para quem gosta e acompanha futebol, é marcante e sempre cheia de expectativas a voz do locutor dos estádios (modernamente, arenas) quando anuncia a substituição de um jogador por outro no meio da partida. Sempre pode nascer deste ato uma mudança importante da história daquele jogo, uma “sacada” do técnico, algo que ninguém pensou e que muda os rumos da disputa. Ou pode até ser algo menos emocionante, que quase todos estavam imaginando que iria acontecer, mas mesmo assim gera expectativa, afinal pode dar resultado ou não a troca anunciada.

No nosso caso, a dramaticidade da situação vivida com as consequências da pandemia do coronavírus exige uma atuação tão técnica quanto firme do governo, tanto na área da saúde quanto na da economia. Depois de alguma vacilação, que por vezes parece ainda perdurar, a área da saúde começou a tomar atitudes e elas, especialmente o confinamento, rebatem diretamente na atividade econômica.

Não há mais nenhuma dúvida, o País vai parar por muitos dias, ainda nem se sabe quantos, para tentar sustar o contágio da doença e aliviar o sistema de saúde. Tecnicamente, isto corresponde a “achatar a curva” dos infectados que vão precisar dos serviços hospitalares, em especial a internação em unidades de terapia intensiva com respiradores.

Do ponto de vista econômico, o baque será brutal, atingindo uma economia que já vinha cambaleando, não gozando de boa saúde, tanto é que sequer havia se recuperado da “doença” anterior, a recessão de 2015-2016. Como se sabe, o nível atual do PIB é cerca de 3% menor que o de 2014, antes da recessão. A previsão do início do ano, de um crescimento relativamente fraco, cerca de 2%, na sequência de três anos de taxas pouco superiores a 1%, agora parece um sonho. Neste momento é difícil prever o tamanho do rombo que teremos em 2020, mas é certo que ele vai ser grande.

A parada vai fazer desabar vendas do comércio, produção industrial e de serviços. Vai aumentar a taxa de desemprego e causar danos irreparáveis em negócios pequenos e médios, sem contar o enorme problema da massa de trabalhadores informais, que muitas vezes não são sequer conhecidos dos cadastros públicos. Pois eis que neste momento dramático, em que se exige a presença forte do Estado para dar suporte aos gastos em saúde e tentar diminuir o estrago na atividade e no emprego, o Ministério da Economia está preocupado em não aumentar muito o déficit público e em não criar linhas de financiamento que depois podem ser difíceis de cortar.

No caso dos Estados Unidos, respeitadas as diferenças de poderio econômico e ainda que lá esteja em jogo também a questão da reeleição de Trump, o Governo abriu o caixa com muita força, para se fazer presente na hora difícil, apoiando o setor de saúde, as empresas e os empregos. Logo a seguir, se sentir “cheiro de queimado”, vai colocar dinheiro no sistema financeiro, como fez em 2008, na última crise, e como fará sempre que estiver em situações em que o mercado sozinho não consegue resolver o problema e o risco de catástrofe estiver batendo na porta. Se Trump custou a admitir a gravidade da pandemia na sociedade americana, na economia não vacilou um instante em afastar os princípios liberais de não intervenção para enfrentar a quase inevitável recessão: chamou o Banco Central e o Tesouro e tratou de agir rapidamente.

Se os Estados Unidos são tão admirados pelo Governo Bolsonaro, em especial pelo Ministro da Economia, está na hora de seguir o exemplo e abrir o caixa do Tesouro, do Banco Central e dos bancos estatais, financiando, refinanciando, dilatando prazos de pagamento, perdoando dívidas, aumentando gastos na área de saúde e amparando, sobretudo, as famílias mais pobres e os trabalhadores da informalidade que o modelo liberal desde Temer fez avançar para mais de 40% do total de ocupados no Brasil.

E há mais exemplos da mesma ordem. Boris Johnson, o ultra liberal premiê britânico, também fez uma guinada pró gastos públicos na hora da emergência e Macron fez o mesmo na França. Está na hora de mudar o jogo, está na hora do locutor do estádio anunciar: “sai Ipiranga, entra Exxon Mobil”.

(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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