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9 de março de 2020
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11:08

A volta da velha senhora: a política fiscal

Por
Sul 21
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A volta da velha senhora: a política fiscal
A volta da velha senhora: a política fiscal
Paulo Guedes, ministro da Economia. (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

Flavio Fligenspan (*)

A crise do coronavírus surgiu justamente num momento em que ganhava corpo a possibilidade de um estouro da bolha financeira internacional, bolha que foi inflada a partir da crise anterior, de 2008, com a política econômica de financiamento fácil e barato dos países centrais, cujo objetivo era de (re)estimular a atividade ameaçada naquele momento. Agora os dois fenômenos se sobrepõem, tornando difícil dizer qual deles será o mais importante para justificar uma débâcle do PIB mundo afora.

O Banco Central americano se apressou e reduziu suas taxas de juros – já bem baixas –, numa demonstração de que está assustado com a situação. Tal medida surpreendeu a muitos e abriu espaço para a redução das taxas dos demais países, visto que a taxa americana representa um parâmetro e dita ou mesmo permite comportamentos semelhantes. O problema é verificar a efetividade desta medida, uma vez que a taxa baixa dos últimos tempos já não oferece muita margem de manobra; descontada a inflação, a taxa real é praticamente zero. Ou seja, não há mais espaço para novas quedas gerarem as consequências esperadas sobre a elevação do nível de atividade.

Se a política monetária já ofereceu o que poderia e perdeu o fôlego, haveria que se voltar mais uma vez ao uso da política fiscal, a administração dos gastos públicos, com uma ajuda menos que proporcional da redução das receitas, para estimular a atividade.

Olhando para o Brasil, a situação é tão ou mais complicada, tanto porque a economia está longe de se recuperar da recessão de 2015-2016, como porque o Governo se mostra politicamente desorganizado e com uma equipe econômica refém de uma ideologia incapaz de dar as respostas corretas em momentos de tranquilidade, que dirá em meio a eventos críticos. Tal como no resto do mundo, nossa taxa de juros já está bem baixa, a menor da história brasileira. É bem verdade que demorou a cair desde 2016, quando a recessão já estava bem instalada e exigia uma resposta mais firme do Governo Temer. Como se sabe, Temer preferiu entregar uma inflação na meta e deixar o tema do crescimento para depois, apostando que podia argumentar que a responsabilidade pela desorganização da economia era de Dilma; sempre é possível apelar para a “herança maldita”.

De qualquer forma, ainda que mais lentamente do que devia, a taxa brasileira caiu e hoje, descontada a inflação, se aproxima de zero. Discute-se, a partir da redução da taxa americana na semana passada, se a brasileira não deveria seguir o mesmo caminho, mantendo a diferença que as separa. Há bons argumentos pró e contra a medida; é uma decisão difícil num momento de dólar em alta, atividade raquítica e inflação comportada. Não sei o que o Banco Central do Brasil vai fazer na sua próxima reunião, mas o que é possível dizer é que, tal como nos Estados Unidos e em muitos outros países, a margem de manobra para a redução dos juros ficou bem pequena. E no nosso caso, o agravante é o fato de que a atividade e o mercado de trabalho estão tão fracos que qualquer estímulo monetário não seria suficiente.

Tal como nas outras economias, resta o estímulo da política fiscal. Mas este caminho está ideologicamente bloqueado pela atual equipe econômica e por boa parte do mundo político que comprou esta idéia há anos e aprovou medidas de arrocho fiscal sob o argumento de que a disciplina dos gastos traria confiança empresarial e investimentos em grande volume, nacionais e estrangeiros. O mundo empresarial e a grande imprensa também venderam a rodo tal remédio mágico para levantar economias raquíticas.

Como o Ministro Guedes se mostra convicto de seu ideário liberal, na versão extrema latino americana, não veremos uma correção de rumos sair de sua mesa. Mais fácil será a sua saída do Governo, algo que já se especula há algum tempo. A desorganização do Governo e sua incapacidade de negociação com o Congresso criará um ambiente propício para a saída e oferecerá uma boa justificativa pública para o Ministro se retirar. O novo Ministro e sua nova equipe terão que lidar com a necessidade de revisar o arsenal de arrocho e poderão fazer política fiscal (de curto prazo) para ajudar a resolver a crise econômica.

(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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