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27 de janeiro de 2020
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14:26

Duas faces do mesmo governo

Por
Sul 21
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Duas faces do mesmo governo
Duas faces do mesmo governo
Jair Bolsonaro e Paulo Guedes. Foto: Isac Nóbrega/PR

Flavio Fligenspan (*)

Como ocorre tradicionalmente nesta época do ano, na semana passada realizou-se na Suíça o Fórum Econômico Mundial. A cobertura da imprensa brasileira deu conta de que os maiores representantes mundiais do capitalismo têm alterado os critérios pelos quais selecionam os lugares onde vão aplicar seus recursos. Além da variável fundamental, a valorização do capital, grandes empresas e grandes fundos financeiros se preocupam cada vez mais com o meio ambiente, a democracia e a distribuição de renda, no mínimo porque estas variáveis afetam sua imagem pública, mas também porque até os mais ricos já entenderam que a super exploração dos recursos naturais e a ampliação dos diferenciais de renda e patrimônio podem acarretar consequências negativas para os seus negócios.

Há repercussões bem claras desta postura para os interesses brasileiros e para as ações do Governo Bolsonaro. As trapalhadas com a questão ambiental na Amazônia e a fuga de recursos financeiros em 2019 acenderam o sinal de alerta. Analistas do mercado financeiro e do próprio Governo já avisaram as autoridades de que têm que mudar a forma de tratar estes temas que o mercado internacional considera delicados. Depois de destruir e desqualificar parte dos mecanismos de controle sobre a exploração da Amazônia em 2019, o Governo tratou de dar uma satisfação ao resto do mundo e montou na semana passada, às pressas, uma nova comissão para tratar dos temas da região. Trata-se de uma tentativa de reverter a péssima imagem construída no ano passado e aplainar o caminho para um melhor relacionamento internacional.

Contudo, no plano doméstico o tema da distribuição de renda tem sofrido reveses importantes. Manifestação do Ministro da Economia, há poucas semanas, revelava que uma das bandeiras do Governo desde o processo eleitoral de 2018 já foi adiada, não para 2021, mas para o próximo governo. É sobre a revisão do imenso rol de subsídios para empresas, setores, regiões e para as camadas de renda mais alta. Portanto, mecanismos seletivos de redução de impostos das mais diversas ordens vão continuar operando no Brasil por pelo menos mais três anos, beneficiando quem menos necessita e preservando a histórica iniquidade tributária brasileira. Numa fala rápida do Ministro, nega-se uma promessa de peso da campanha eleitoral e perde-se uma oportunidade de mudar a vida de milhões de pessoas, redistribuindo a regressiva carga tributária.

Mas esta nem é a pior notícia do ponto de vista da distribuição de renda. A pior é o anúncio dos últimos dias de que a nova regra para o reajuste do salário mínimo passará a contemplar apenas a reposição da inflação, sem nenhum mecanismo de ganho real, algo que os governos anteriores desde o início do Real tentavam manter como uma forma direta de redistribuição de renda, dada a influência do mínimo em toda estrutura de remuneração do mercado de trabalho brasileiro, formal e informal, e dado o peso dele nos vencimentos previdenciários: aposentadorias, pensões e benefícios. Aliás, aí está uma parte importante da explicação da mudança da política de reajuste: a economia para os cofres públicos à custa de milhões de brasileiros, os que estão mais em baixo da pirâmide de renda. Outra parte da explicação é a tentativa de agradar o setor privado, que é quem paga os salários agora sem os ganhos reais dos últimos anos.

Não mexer na estrutura de subsídios e descontinuar a política de ganho real do mínimo são duas faces da mesma moeda ou do mesmo governo, uma clara política de concentração de renda que já estava em marcha desde Temer, com a demora em recuperar a economia da recessão e com a reforma trabalhista, ambas jogando a favor da piora do mercado de trabalho, com aumento da precarização, da informalidade e da subutilização da mão de obra. Agora, a pressão contra os trabalhadores da ativa passa a ser acompanhada pela pressão contra os beneficiários da previdência.

(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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