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9 de dezembro de 2019
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11:34

Migalhas de PIB

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Migalhas de PIB
Migalhas de PIB
Neste momento, estamos com um nível de produto 3,6% menor do que o do início de 2014. (Foto: Arquivo/Agência Brasil)

Flavio Fligenspan (*)

Na semana passada o IBGE divulgou os dados do PIB brasileiro do terceiro trimestre deste ano, com números um pouco acima do que o mercado projetava. O terceiro trimestre teve crescimento de 0,6% em relação ao segundo, constituindo-se como o 11º trimestre seguido de taxas positivas ou zeradas depois do período recessivo em que se sucederam oito variações negativas, entre 2015 e 2016. Não há mais nenhuma dúvida de que o episódio recessivo recente foi superado e estamos trilhando um caminho de recuperação.

O problema é que a recessão foi tão forte e a recuperação é tão frágil e lenta que neste momento da história estamos com um nível de produto 3,6% menor do que o do início de 2014. Num país que precisa gerar emprego e renda para uma ampla camada da população que não tem reservas financeiras e tem pouco apoio do Estado, conseguimos a façanha de recuar. E isto que a variável que está sendo medida é o PIB e não o PIB per capita, o que traria resultados ainda piores.

É verdade que os resultados deste ano estão prejudicados por eventos que fogem ao controle do governo brasileiro, tanto no front externo (a desaceleração do crescimento mundial, a guerra comercial EUA-China e a crise argentina), como no interno (a queda da produção mineral a partir do acidente de Brumadinho, no início do ano). Tais eventos abalaram o crescimento do PIB, segundo algumas estimativas em 0,8 ponto percentual. Assim, um crescimento que deve ser algo próximo a 1,2% neste ano, poderia chegar perto de 2% se a sorte tivesse colaborado. Mas também poderia ser maior, se a política econômica fosse mais pró-expansão e menos retrancada.

A imprensa e alguns analistas ressaltaram – alguns até comemoraram – o fato de que desde o segundo trimestre deste ano os destaques foram a Construção civil, pela ótica da oferta, e os Investimentos, pela ótica da demanda. Quase que duas faces da mesma moeda, visto que a Construção é contabilizada como Investimento e representa praticamente a metade dessa Conta. Ocorre que as recuperações destes dois setores são as mais fáceis de serem verificadas do ponto de vista estatístico, já que foram justamente os dois mais deprimidos no processo de queda dos últimos anos. Como se sabe, é mais fácil registrar taxas de crescimento mais elevadas quando se parte de uma base mais fraca. Para se ter uma idéia, o nível atual de produto da Construção civil é 30% inferior ao do início de 2014 e o dos Investimentos é 23% menor.

Para qualificar um pouco mais a informação, a parte da Construção que realmente cresceu nos últimos meses foi a que abarca o segmento de residências e escritórios, visto que as grandes e necessárias obras de infraestrutura estão praticamente paralisadas no País. E no segmento residencial, o destaque é o lançamento de projetos direcionados para as classes de renda elevada, um claro sinal de quem se beneficia da pequena retomada da economia.

No que se refere aos investimentos, a parte nobre, constituída por máquinas e equipamentos, agoniza há anos e não há perspectiva positiva no curto prazo, já que a capacidade ociosa das empresas é muito grande. Antes de fazerem novas encomendas de bens de capital, as empresas devem usar mais intensamente suas instalações atuais e devem recuperar a confiança no futuro, algo raro nestes tempos.

Enfim, nos últimos anos a sociedade brasileira se acostumou a vivenciar uma situação econômica tão ruim que passou a comemorar minúsculos avanços como se fossem bons resultados. Na realidade, e infelizmente, as taxas positivas divulgadas pelo IBGE não passam de migalhas de PIB que praticamente não fazem diferença para grandes contingentes de uma população desesperada em busca de prover sua subsistência com ocupações precárias, informais e mal remuneradas.

(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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