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2 de dezembro de 2019
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16:51

Alta do câmbio e reversão de expectativas

Por
Luís Gomes
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Alta do câmbio e reversão de expectativas
Alta do câmbio e reversão de expectativas
Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Flavio Fligenspan (*)

Na última semana de agosto deste ano, quando a taxa de câmbio sofria um processo de elevação que havia se iniciado na metade de julho e começava a preocupar o governo, escrevi uma coluna sobre este tema (A alta do dólar e suas consequências para a inflação) em que comentava a possível repercussão sobre a inflação, mesmo diante de um nível de atividade tão baixo. O assunto também já havia sido tratado numa coluna do final de abril (Sinal de alerta); como o título indicava, era um primeiro sinal de desconfiança do mercado na área econômica do novo governo. Referi em agosto que alguns economistas acreditavam que a economia brasileira estava suficientemente deprimida naquele momento para configurar-se como inviável repassar o aumento da taxa de câmbio para os preços dos produtos importados ou para os dos produtos nacionais que usam matérias primas importadas na sua composição.

Porém, o Banco Central (BC), demonstrando claramente sua preocupação com o tema, começou a operar com mais força no câmbio e lançou mão de instrumentos que estavam amortecidos há anos, como a venda direta de dólares no mercado à vista. Era uma tentativa de influenciar o mercado, seguindo os preceitos da chamada “flutuação suja” da taxa de câmbio, quando o BC intervém para além do que as forças de oferta e demanda de dólares estão a indicar.

Quando o BC faz intervenções deste tipo num ambiente que deveria ser apenas de livre flutuação, se seguisse ortodoxamente o modelo, a justificativa elegante é dizer que ele está preocupado com a volatilidade do câmbio e deve intervir para evitar a instabilidade e oferecer tranquilidade a quem opera neste mercado, facilitando o cálculo empresarial, evitando movimentos especulativos etc. Isto é verdade, mas também é verdade que o BC se preocupa com a repercussão que uma mudança de patamar do câmbio possa trazer sobre os índices de inflação. Afinal, com uma economia raquítica e um desemprego elevado, o controle da inflação passou a ser quase a única variável de “sucesso” na área da macroeconomia.

Pois bem, o mês de novembro proporcionou novo episódio de alta da taxa de câmbio e deixou muita gente assustada com o fato de termos alcançado o maior nível da história para a taxa nominal; nas últimas duas semanas, em quase todos os dias o dólar comercial fechou em mais de R$ 4,2 (preço de venda). Há razões de sobra para justificar tal movimento, algumas que vêm de fora e sobre as quais não temos controle, como uma economia internacional quase parada, a disputa comercial entre Estados Unidos e China e a crise econômica sem fim da Argentina, afetando nossas exportações de bens manufaturados.

Mas outros fatores são do âmbito doméstico e sobre estes temos ou deveríamos ter controle. A mais importante delas é a própria falta de crescimento econômico e, mais que isso, a pouca capacidade do governo de gerar confiança de que este quadro será revertido logo à frente. Isto afasta investimentos nacionais e estrangeiros e só reforça o movimento de descrença e saída de divisas. As trapalhadas políticas do governo também ajudam a construir um quadro ruim e, a produzir incerteza e insegurança nos agentes privados.

O sinal mais forte de que desta vez a situação é mais delicada, diferentemente dos episódios anteriores de alta do câmbio – de março a maio e de agosto deste ano –, é que parte significativa dos analistas do mercado financeiro passou a colocar em dúvida a continuidade do movimento de redução da taxa básica de juros da economia brasileira. Este era um movimento firme em que todos apostavam até a semana passada, com a expectativa de que até o final de 2020 ainda assistiríamos a mais alguns episódios de baixa, fazendo a taxa básica chegar a um nível tal que praticamente se igualasse à inflação. Isto produziria uma taxa de juros real próxima de zero, algo impensável na história do Brasil, ainda que muito influenciada pelo ambiente internacional deste momento.

Como se sabe, um dólar mais caro deixa as importações de matérias primas também mais caras e é natural que isto se reflita num aumento da inflação. No atual sistema de controle de preços, a resposta a este movimento deve ser o aumento da taxa de juros por parte do BC. A mudança foi de tal ordem que as curvas de juros futuros voltaram a subir, indicando uma reversão de expectativas não só para 2020, mas também para os próximos anos. O fato chegou a provocar uma manifestação intempestiva do Ministro Paulo Guedes na semana passada, em que ele “sinalizou” um novo patamar de juros e de câmbio, assustando o mercado que já estava suficientemente preocupado. É sabido que não é praxe um Ministro da Economia se manifestar sobre a taxa de câmbio, pois isto gera muito ruído e muita especulação, não colaborando para a estabilidade e para a recuperação de um ambiente de confiança de consumidores e de empresas.

Assim que cresceu a probabilidade de que tenhamos chegado ao fim de um longo e bom ciclo de rebaixamento da taxa de juros, um pouco antes do que se esperava e num nível um pouco acima do que se esperava. Se isto é verdade, continua válida a pergunta que às vezes coloco em discussão neste espaço: estamos mesmo diante de uma mudança estrutural da economia brasileira, mudança que teria sido (ou está sendo) proporcionada pelas reformas liberais, tais como a do mercado de trabalho e a previdenciária? Ou tais reformas atendem apenas a outros objetivos e não chegam a alterar os parâmetros básicos do funcionamento da nossa economia?

(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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