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11 de novembro de 2019
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10:20

Um “novo normal” para a economia brasileira?

Por
Sul 21
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Foto: Arquivo/Agência Brasil

Flavio Fligenspan (*)

Analisando a economia de um país ou região, de tempos em tempos economistas de diferentes escolas de pensamento acham que estão diante de “um novo normal”, uma situação em que os parâmetros estruturais se alteram de tal forma que o arcabouço de análise anterior não vale mais e só é possível compreender a conjuntura e projetar o desempenho à frente se nos adaptarmos a novas relações entre as variáveis macroeconômicas.

Assim, por exemplo, os parâmetros usuais que ligam diferentes variáveis, como inflação e taxa de juros, taxa de câmbio e inflação, imposto de importação e saldo comercial, taxa de desemprego e inflação, dentre tantas outras, não valeriam mais e a forma tradicional de analisar a economia teria que ser revista. Quem não entendesse que se está diante de uma mudança deste tipo, estaria condenado a pensar o presente e o futuro como semelhantes ao passado recente e erraria suas análises. Um “novo normal” elimina as relações antigas e estabelece novas, irremediavelmente.

A história traz vários exemplos de situações em que os economistas achavam que estavam diante de situações como esta, tal como na economia americana antes da grande crise financeira de 2008 e no Brasil durante o primeiro mandato de Dilma. Estes são dois casos em que houve erro de interpretação, o primeiro muito mais grosseiro e de consequências muito mais graves que o segundo, mas, de qualquer forma, não se estava diante de um “novo normal” em nenhuma das duas oportunidades. Especialmente, não se estava diante de situações que nos trariam vantagens na administração da política econômica – mais flexibilidade e/ou resultados melhores com menos esforço da sociedade –, o que ficou claro com as reviravoltas que ocorreram a seguir.

A recente redução da taxa de juros básica (Selic), associada a mudanças estruturais que têm ocorrido desde Temer, fez renascer a discussão sobre um “novo normal” da economia brasileira. Realmente, a queda sistemática da taxa desde o nível pouco acima de 14% em 2016 para os atuais 5% ao ano chamou atenção, tanto pela magnitude do corte, como porque ninguém projetava que se chegasse ao nível mais baixo da história para esta variável. Uma parte do debate atual de conjuntura está voltada para este tema e não sem razão. Afinal, se acumulam desde 2016 mudanças estruturais que bem podem trocar vários parâmetros tradicionais de análise.

A lista das mudanças com capacidade de impacto é grande: reforma trabalhista; redução drástica do papel do BNDES e troca da TJLP pela TLP; reforma previdenciária; e lei do “teto de gastos”. Estas são as alterações que já ocorreram ou que estão sendo implementadas. Contudo, há ainda mais por acontecer, como os projetos do Governo enviados na semana passada ao Congresso, prevendo reforma administrativa e redução do tamanho do Estado, com diminuição das obrigações previstas na Constituição de 1988.

Claro que, tal como no caso da reforma previdenciária, haverá negociação no Congresso e nem tudo sairá como o Ministro Guedes espera. Porém, a longa relação de reformas pode realmente causar mudanças estruturais e, revisão de parâmetros da análise econômica.  Por exemplo, há quem estime que a taxa de juros neutra, a que proporciona crescimento sem gerar inflação, tenha baixado de cerca de 8% nominais há um ano, para algo próximo a 4% atualmente, uma queda significativa e que mexe com o funcionamento do mercado financeiro e de capitais, além de alterar o cálculo econômico dos setores reais da economia.

Contudo, há que se ter cuidado com a avaliação deste ambiente de mudanças. Trata-se do fato de que parte do que se observa neste momento como se já fosse reflexo de alterações estruturais e consequências das “reformas” é, na verdade, reflexo de condições muito especiais engendradas pela longa crise, como o aumento da informalidade e da subutilização no mercado de trabalho. Isto faz com que o rendimento médio diminua e afaste trabalhadores e famílias do mercado de crédito, pela impossibilidade de comprovação de renda e pela incerteza quanto aos rendimentos futuros.

Como será a nova configuração do mercado de trabalho quando a economia retomar o crescimento? Certamente não será como a de antes de 2014 (pré-recessão), mas também não será exatamente como a que se vê neste momento. Quais serão os novos parâmetros da relação entre o funcionamento do mercado de trabalho e a inflação, por exemplo? Não há respostas conhecidas para perguntas como esta no presente e vale o mesmo para uma série de relações entre as variáveis normalmente utilizadas nos estudos econômicos. O fato é que estamos em meio a uma dupla turbulência, a da crise sem fim iniciada em 2014 e a das mudanças estruturais dos governos pós ciclo petista. É difícil saber se o que emergirá deste processo poderá ser caracterizado como um “novo normal”, especialmente quando a economia voltar a crescer e pressionar variáveis hoje adormecidas.

(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.

 


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