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21 de outubro de 2019
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11:43

Lenta e seletiva retomada 

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Lenta e seletiva retomada 
Lenta e seletiva retomada 
Nos últimos doze meses (até agosto), o comércio varejista de veículos, motocicletas e peças cresceu 11%. (Foto: Arquivo/Agência Brasil)

Flavio Fligenspan (*)

O Comitê de Datação de Ciclos da Fundação Getúlio Vargas concluiu que estamos vivendo a mais longa crise da história do País. Segundo o órgão, a crise atual começou no segundo trimestre de 2014, ainda no final do primeiro mandato de Dilma, e aprofundou-se em 2015 e 2016 com duas quedas sucessivas do PIB. Durante o período de queda, a economia brasileira encolheu 8,2%, mas no meio de 2019 – último dado disponibilizado pelo IBGE –, 21 trimestres depois do início de 2014, ainda não recuperamos o nível de produção pré-crise. Na verdade, neste momento o PIB é 4,8% menor que o do início de 2014.

Cinco anos se passaram e só andamos para trás. Nunca a economia brasileira demorou tanto para retomar um nível pré-crise, nem na dura recessão comandada por Delfim Neto no início da década de 1980, quando foram necessários 16 trimestres para voltar ao nível anterior, nem mesmo na recessão provocada pelo traumático Plano Collor, quando foram precisos 18 trimestres. Agora, já transcorridos 21 trimestres de crise, a política econômica anti crescimento e a desorganização política tornam uma tarefa arriscada calcular o tempo que falta para voltar ao que se produzia no início de 2014.

De qualquer forma, até por efeito estatístico, a tendência é de lenta e suave retomada. Afinal, tendo uma base tão frágil como comparação, crescer um pouco é até muito fácil. É claro que a economia brasileira precisa muito mais do que isto, mas a realidade das políticas adotadas só nos oferece esta raquítica retomada, algo pouco abaixo de 1% neste ano e talvez algo próximo a 2% em 2020, arrastando mais um pouco a recuperação. Neste ritmo, voltaríamos ao nível do início de 2014 em 2021 ou 2022. Numa palavra: tragédia.

É interessante observar o desempenho de alguns setores neste ambiente de raquítica retomada. Nos últimos doze meses (até agosto), o comércio varejista de veículos, motocicletas e peças cresceu 11% no Brasil, uma taxa expressiva. E a Construção civil, depois de quedas de 10% nos momentos mais críticos, na passagem de 2016 para 2017, ensaia uma recuperação, sobretudo pelo seu segmento imobiliário, já que as obras pesadas de infraestrutura estão praticamente paralisadas. As grandes construtoras de imóveis residenciais têm lançado novos projetos e o mercado de terrenos para novos empreendimentos começou a se mover há algum tempo. É certo que a queda das taxas de juros para financiamentos é uma variável importante neste processo.

Em contraposição a estas performances positivas, as vendas do segmento de Hiper e supermercados no Brasil, que cresciam cerca de 4% no meio do ano passado, agora crescem apenas 1%, sempre considerando taxas acumuladas em 12 meses. Chama atenção a diferença de desempenho de vendas de bens de valor unitário elevado e que exigem financiamento, por um lado, e de bens de primeira necessidade e de valor menor, por outro. Os primeiros vão bem e os outros crescem pouco e cada vez menos.

Não por coincidência, o IBGE revelou na semana passada que a concentração de renda tem crescido no Brasil e que o movimento de redução das desigualdades que havia aparecido no meio da década passada cessou. Ou seja, num tempo de elevado desemprego e desorganização do mercado de trabalho, com aumento da informalidade, flexibilização das regras de contratação e subutilização da mão de obra, nada mais natural que o aumento da concentração de renda e um desempenho desigual dos setores econômicos que atendem diferentes classes de renda da sociedade. Assim, as camadas médias e altas, ainda que lentamente, começam a sair da crise na frente das camadas de baixo da pirâmide social. Os resultados dos setores que atendem a este público expressam esta diferença.

(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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