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23 de setembro de 2019
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11:32

O superávit primário não é um valor em si

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O superávit primário não é um valor em si
O superávit primário não é um valor em si
Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Flavio Fligenspan (*)

O resultado fiscal primário (superávit ou déficit) é uma conta simples, receitas menos despesas do dia a dia do setor público, sem considerar os custos da dívida pública, isto é, sem considerar os juros que o governo paga por ter se endividado no passado, colocando títulos públicos junto ao mercado. Assim, o resultado fiscal primário é a soma de tudo que o governo arrecada com tributos menos tudo que ele gasta para fazer a máquina pública funcionar. Se esta conta der resultado positivo, ou seja, receitas maiores que despesas, diz-se que houve superávit primário. Se der negativo, déficit.

Para que serve um resultado positivo, de superávit, num determinado ano? Para usar estes recursos com o fim de pagar pelo menos parte – ou a totalidade – dos juros da dívida. No Brasil, nos últimos anos não têm ocorrido superávits primários, pelo contrário, temos gerado déficits primários, até porque a recessão recente contraiu a atividade e, com ela, caíram as receitas públicas. Como as despesas são muito rígidas, isto é, não variam de acordo com a atividade, os resultados têm sido negativos. Se não conseguimos superávit, não temos como abater a conta de juros da dívida, logo o equacionamento deste problema exige que se emitam mais títulos para cobrir os juros, isto é, aumentamos ainda mais o estoque da dívida. Isto faz com que aumente também um indicador importante, a relação entre a dívida e o PIB, já que o PIB está crescendo muito pouco.

E se houvesse superávit primário, o que seria feito com estes recursos? Eles seriam usados para pagar parte da conta anual de juros da dívida pública. Com isto, precisaríamos de menos títulos novos para pagar juros e, se o PIB crescesse, a relação dívida/PIB poderia cair, um ótimo indicador para qualquer país em qualquer tempo. Este é o sentido de a sociedade fazer um esforço para chegar a um superávit primário, dado que ele não é um valor em si; ele vale pelo que pode produzir de recursos para pagar os juros da dívida. E este é realmente um esforço da sociedade? Em geral sim, visto que o resultado positivo só aparece se aumentar a produtividade dos serviços públicos (gastar menos para produzir mais e/ou melhores serviços), algo que só aparece ao longo de um período de ajustes administrativos, ou se a sociedade aceitar que os governos gastem menos na área social e privem a população dos serviços de saúde, educação etc.

Ocorre que a redução da relação dívida/PIB também pode ser alcançada de outra forma que não o superávit primário. Simples, se a taxa de juros que o governo paga para “rolar” a dívida pública cair, a conta de juros anual diminui. Logo, nem é preciso um superávit primário tão expressivo para se chegar ao ponto que interessa, a diminuição da relação dívida/PIB. Pois é bem isto que está acontecendo no Brasil com a queda da taxa de juros básica, determinada pelo Banco Central. Cada ponto percentual de queda da taxa de juros rende ao governo muitos bilhões de reais a menos da conta anual de juros, os mesmos bilhões que custariam enorme sacrifício da sociedade em redução de serviços para economizar recursos e chegar a um superávit primário.

E há ainda muita coisa boa para fazer com estes recursos, usá-los para incentivar a economia e fazer o PIB crescer mais rápido. Além de gerar muitos empregos e renda, obras públicas de infraestrutura incentivam os investimentos do setor privado, fortalecendo o movimento de expansão da atividade. Qual o resultado deste movimento? O PIB cresceria mais e seria possível diminuir a relação dívida/PIB com menos sacrifício para a sociedade e aumento do bem estar. Foi exatamente este raciocínio que embasou o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), de meados dos anos 2000. Usar recursos para ampliar a infraestrutura, naquele momento até aceitando uma redução controlada do superávit primário no curto prazo, porque se entendia que esta ação propiciava condições de um crescimento maior logo a seguir.

Já que chegamos à saudável redução da taxa de juros, tão esperada pela maioria da sociedade, é hora de impor menos sacrifícios à sociedade sob a forma de grandes superávits primários e usar bem os recursos poupados da conta de juros. Não para reduzir rapidamente o estoque de dívida, que pode esperar, mas para aliviar urgentemente o sofrimento da população mais carente de serviços públicos de qualidade e para gerar emprego e renda para os milhões de desempregados e subempregados que a crise recente produziu.

(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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