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19 de agosto de 2019
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13:53

O blefe

Por
Sul 21
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O blefe
O blefe
Ministro da Economia, Paulo Guedes. (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil)

Flavio Fligenspan (*)

Governantes têm a obrigação de tentar gerar otimismo, amenizar notícias indesejáveis e entusiasmar empresas e famílias, sempre transmitindo a idéia de que algo de melhor está por vir na vida de uma sociedade. Se não for algo de melhor, pelo menos não será tão ruim quanto alguns “pessimistas” estão a alardear. Já vimos isto acontecer em vários momentos e em vários países. Lula fez isto no final de 2008, quando estourou a crise financeira internacional a partir da quebra do Banco Lehman Brothers nos Estados Unidos. Naquele momento ninguém sabia ainda o tamanho da crise que estava por se estabelecer, mas era esperada uma grande repercussão sobre a economia mundial e sobre o Brasil. Lula declarou que o tsunami no mundo chegaria ao Brasil apenas na forma de uma marolinha. Ele sabia que isto não era verdade, mas fez o possível para convencer as famílias a continuarem consumindo e as empresas a continuarem investindo.

O PIB brasileiro do final de 2008 já acusou o golpe e diminuiu seu ritmo de alta. O ano de 2009 mostrou claramente os efeitos da crise e o Governo tratou de dar incentivos para sustentar o crescimento e eleger Dilma em 2010. A tática funcionou, a expansão do PIB em 2010 foi de 7,5% e Lula elegeu sua sucessora. Portanto, Lula teve êxito na sua empreitada de “não deixar a peteca cair”, pelo menos no curto prazo. Calibrou o discurso otimista, tinha instrumentos para bancá-lo e os usou sem pudor. Depois Dilma teve que lidar com algumas consequências negativas a partir do início de seu mandato, mas esta já é outra história.

Na semana passada dois eventos que vieram de fora abalaram as projeções para a economia brasileira, como se já não tivéssemos problemas suficientes com nossas fragilidades. Um foi a turbulência na política e na economia argentina a partir dos resultados da prévia eleitoral que praticamente selou a derrota de Macri em outubro. Num primeiro momento, o mercado financeiro internacional e o da própria Argentina reagiram muito mal e houve pânico, com alta grande da taxa de câmbio, fuga cambial, expectativa de inflação ainda mais alta que a atual e de desorganização da produção o de comércio externo. Não se sabe ainda que caminhos a Argentina seguirá a partir de 2020, porém o cenário de incerteza no vizinho repercute no Brasil, dado nosso relacionamento comercial intenso e a integração de cadeias produtivas, como no caso da indústria automobilística.

Outro evento, este mais importante, foi a indicação cada vez mais intensa de que o mundo desenvolvido esteja entrando num processo recessivo ou, pelo menos, de forte desaceleração. Este tipo de notícia sempre é ruim para países de economia frágil, como o Brasil, especialmente em momentos de atividade anêmica. Comércio internacional mais fraco e investimentos retraídos não nos ajudam a sair do buraco.

Diante destes dois eventos, o Ministro da Economia brasileiro declarou que o cenário internacional adverso não nos atingirá e que o Brasil nunca precisou da Argentina para crescer. Ele sabe que isto não é verdade; talvez esteja apenas fazendo seu papel de não ampliar o temor diante do noticiário sombrio. Mas, diferentemente de Lula no episódio de 2008/2010, o atual governo brasileiro tem muito menos arsenal para enfrentar a difícil batalha.

Primeiro porque, por uma questão ideológica, não aceita lançar mão do gasto público para ajudar a ativar uma economia moribunda. Apesar de muitos economistas conservadores já terem entendido a gravidade da situação e, com isso, passarem a aceitar e até recomendar o uso da política fiscal anticíclica, o Ministro não dá nenhuma mostra de mudar sua convicção. Prefere abraçar sua linha teórica até as últimas consequências, ainda que elas possam começar a se aproximar com uma velocidade que ele não contava.

Em segundo lugar, na ausência da política fiscal, o curto prazo nos deixa à mercê apenas da política monetária. E aí o problema se agrava, porque a taxa de juros finalmente recuou, o que é uma ótima notícia, mas, por outro lado, isto nos informa que a margem de manobra para baixas adicionais se estreitou. A taxa de juros real de hoje, descontada a inflação, gira em torno de 2,5% ao ano, logo o espaço para novas quedas é muito pequeno. E para piorar, empresas e famílias têm se mostrado pouco dispostas a tomar crédito num ambiente econômico que não lhes oferece segurança.

Donde se conclui que as declarações do Ministro são difíceis de sustentar, soam mais como um blefe, a não ser que ele estivesse disposto a lançar mão de instrumentos até aqui considerados proibidos pela sua forma de pensar a economia. O problema é que se o mundo realmente tropeçar, nossa atual fragilidade não permitirá boas respostas nem mesmo com os melhores instrumentos.

(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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