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12 de agosto de 2019
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14:25

Herança maldita: até quando?

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Sul 21
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Herança maldita: até quando?
Herança maldita: até quando?
Jair Bolsonaro e Paulo Guedes. Foto: Isac Nóbrega/PR

Flavio Fligenspan (*)

É conhecida em todos os países que trocam governantes pelo processo eleitoral a idéia de herança maldita. Trata-se da inevitável herança de fatores diversos que uma gestão deixa para a outra, mas destacam-se os fatores negativos a influenciar o bom andamento da economia e de outras áreas. Como o ambiente econômico não respeita a fronteira temporal entre dois governos, sempre haverá efeitos do governo anterior influenciando o novo, pelo menos por algum tempo.

Fernando Henrique não pôde se queixar de Itamar Franco, porque ele fora Ministro da Fazenda de Itamar e em 1994 implantou o Plano Real, vindo a fazer campanha e se eleger justamente em cima do Plano e seus primeiros resultados no controle da inflação. Se falasse em herança maldita, estaria se queixando dele mesmo. Lula usou muito a herança maldita para justificar sua política econômica conservadora no primeiro mandato, a partir de 2003. Haveria, segundo Lula, a necessidade de dar os primeiros passos com a economia travada, para reconquistar a confiança que Fernando Henrique havia desperdiçado.

Porém, a herança maldita tem vida curta. A sociedade aceita a idéia por alguns meses, talvez algo próximo de um ano, mas logo a seguir o novo governante tem que mostrar a que veio e, principalmente, mostrar que sua proposta era melhor que a de seus adversários, entre eles o governante anterior ou alguém que lhe representasse no processo eleitoral. Lula compreendeu bem este intervalo de tempo e tratou de avançar nas propostas que atingiam a população mais carente, como o Programa Bolsa Família e a política de valorização do salário mínimo. Associou a elas a expansão do crédito, inclusive com a nova modalidade do consignado, e um esforço de criação de vagas formais no mercado de trabalho. Revigorando o crescimento, conseguiu a reeleição em 2006 e tudo se encaminhava para ele conseguir eleger seu sucessor ou sucessora.

O que não estava no horizonte era a crise financeira internacional de 2008, bem no meio do segundo mandato. Lula a enfrentou estressando o modelo de crescimento, principalmente no ano eleitoral de 2010, conclamando as famílias a consumirem e os empresários a investirem. Deu incentivos para os dois lados e conseguiu números significativos para a economia brasileira em 2010, como um crescimento de 7,5%, elegendo Dilma.

Dilma recebeu uma herança maldita de Lula, uma economia que tinha tido seu potencial de expansão espremido nos últimos anos, justamente para elegê-la. Logo, não poderia explicitar o problema nem recorrer à noção de herança maldita para justificar eventuais maus resultados. O primeiro mandato de Dilma se completou com algumas distorções importantes nos preços dos combustíveis, da energia elétrica e da própria taxa de câmbio. O problema das finanças públicas se acentuou, inclusive pelas políticas de benefícios ou compensações às empresas privadas, como no caso da desoneração da previdência. A tentativa de correção das distorções no início do segundo mandato foi frustrada, desencadeando uma recessão que saiu do controle e que se combinou com uma profunda crise política.

Temer assumiu em 2016 e usou a idéia de herança maldita para justificar seus próprios erros e sua política econômica muito conservadora. Mas não podia exagerar na justificativa porque derrubou Dilma baseado na mentira de que bastaria ela sair para o País recuperar a confiança, os empresários voltarem a investir, o PIB retomar um caminho de expansão e tudo ficaria bem.

Bolsonaro assumiu uma economia já fora da recessão há dois anos, mas com um crescimento pífio e com uma taxa de desemprego muito alta, uma herança maldita. Com uma atividade em frangalhos, havia a necessidade de uma retomada rápida, para pelo menos recuperar os níveis de pré crise, em 2014. O fato é que o PIB hoje é cerca de 5% menor que o de 2014. O Ministro de Economia vendeu a ilusão de que a Reforma de Previdência abriria as portas para o crescimento, sabendo que isto não era verdade. As projeções de crescimento para este ano já recuaram bastante desde janeiro, quando estavam em torno de 2,5%; agora rondam o 0,8%. Os principais números da economia brasileira para o primeiro semestre já são conhecidos – para indústria, comércio e serviços – e apontam para um PIB praticamente zerado nestes primeiros seis meses de Governo.

A grande maioria dos economistas já considera 2019 um ano perdido para o crescimento e o emprego. O Governo acusou o golpe e apelou para medidas de estímulo da demanda, como a liberação de recursos do FGTS e PIS/PASEP, contrariando sua identidade teórica. Mas o volume é pequeno e não é isto que vai fazer diferença. Um problema adicional se soma: os resultados ruins deste ano já contaminam os de 2020, ano de disputas eleitorais nos municípios. A desculpa da herança maldita já estará vencida em 2020, o desemprego continuará elevado e a Reforma da Previdência já terá passado. Que justificativas terá o Governo?

(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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