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26 de agosto de 2019
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16:55

A alta do dólar e suas consequências para a inflação       

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Sul 21
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A alta do dólar e suas consequências para a inflação       
A alta do dólar e suas consequências para a inflação       
Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Flavio Fligenspan (*)

No regime de metas de inflação, que o Brasil adota desde 1999, há uma meta fixada com antecedência pelo Conselho Monetário Nacional e um (quase) único instrumento de controle, a taxa de juros. Se a projeção da inflação para o ano corrente está acima da meta pré-fixada, o Banco Central (BC) deve elevar os juros, para conter a demanda e segurar a alta dos preços. Há também uma margem de erro aceita, para mais ou para menos da meta; um intervalo em que se aceita que o índice usado para medir a inflação fique um pouco acima ou um pouco abaixo do pré-fixado.

Tal intervalo serve para absorver possíveis choques de oferta, como uma elevação de preços internacionais de matérias primas essenciais à produção primária ou industrial, uma alta dos preços do petróleo ou mesmo uma quebra de safra agrícola que acabe por aumentar os preços inesperadamente e sem que se possa fazer nada ou quase nada no curto prazo. Nestas situações, a inflação vai ser maior do que se pensava, mas espera-se que, com o acionamento do instrumental monetário recomendado pelo modelo, o BC consiga entregar um resultado ainda dentro do intervalo superior permitido.

A meta para o Brasil neste ano de 2019 é de 4,25%, com margem ou intervalo de 1,5 ponto percentual, ou seja, admitir-se-á que o BC acertou, se a inflação, medida pelo IPCA (IBGE), fechar o ano entre 2,75% e 5,75%. A maioria dos analistas de conjuntura acredita que a situação deste ano é tranquila em relação ao cumprimento da meta de inflação e projeta-se que até mesmo para os próximos dois anos a situação estaria sob controle. No entanto, há um fato novo na praça: a alta da taxa de câmbio. Seja pelas características próprias da economia brasileira, seja pela turbulência internacional – com a crise comercial entre Estados Unidos e China, a possibilidade de recessão no mundo desenvolvido – ou mesmo pela crise econômica da Argentina, nosso parceiro comercial importante para produtos manufaturados, a taxa de câmbio já se elevou bastante em 2019.

O BC acusou o golpe e começou um programa de intervenção moderada na taxa de câmbio, inclusive lançando mão de um mecanismo que não usava há dez anos, a venda direta de divisas das nossas reservas, por sinal muito elevadas e com custo significativo de carregamento. A ideia é controlar o movimento altista que desorganiza o cálculo econômico empresarial e, muito importante, pode afetar a taxa de inflação via preços de produtos importados, matérias primas de diversas cadeias produtivas e derivados de petróleo, por exemplo. São produtos imprescindíveis ao funcionamento da economia, de difícil substituição e, portanto, dos quais dependemos para tocar o dia a dia, independentemente de terem seus preços aumentados em reais.

Há quem acredite que estamos vivendo sob novos parâmetros na economia brasileira e que a taxa de câmbio já não tem o mesmo efeito deletério que tinha no passado recente sobre a inflação, isto porque o nível de atividade é tão baixo que aumentos de preços de matérias primas não podem ser repassados para produtos finais, sob pena de perderem o pequeno mercado que ainda detém. Implicitamente, o que se está dizendo é que alguns agentes econômicos em meio a cadeias produtivas têm que absorver estes aumentos de custos, reduzindo suas margens de lucro para não perderem clientes na ponta do consumo.

Esta interpretação entende que a sustentação deste rearranjo de margens de lucro entre empresas, com perdas e ganhos e um resultado final que pouco afetaria a inflação, é a fragilidade da atividade econômica. Neste caso, o fato de estarmos produzindo hoje cerca de 5% menos do que em 2014, antes de começar este ciclo de quebradeira e desemprego, teria um aspecto “positivo”, estreitar o canal de transmissão da alta do dólar para os preços em geral, isto é, para a inflação.

Mesmo reconhecendo a fragilidade da atividade e seu papel sobre a inflação, o BC não comprou integralmente esta ideia e parece que não está disposto a pagar para ver; prefere acionar seus mecanismos de intervenção, ainda que o modelo diga que o câmbio é flutuante, isto é, deveria variar de preço de acordo com as forças de oferta e demanda. Nenhum dirigente do BC é tão ortodoxo e tão irresponsável para acreditar nesta parte do modelo. Contudo, boa parte do mercado acredita que a anemia da economia brasileira seja suficiente para segurar a inflação. Pobre da sociedade que precisa da estagnação e de um desemprego vergonhoso para validar seus modelos econômicos.

(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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