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15 de julho de 2019
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13:29

Reforma tributária: agora a briga é de “cachorro grande”  

Por
Sul 21
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Reforma tributária: agora a briga é de “cachorro grande”  
Reforma tributária: agora a briga é de “cachorro grande”  
Foto: José Cruz/Agência Brasil

Flavio Fligenspan (*)

Conforme amplamente noticiado pelos grandes órgãos de imprensa do País, depois que o Governo liberou um enorme volume de emendas dos deputados federais, a Reforma da Previdência destravou. É uma questão de tempo e de mais algumas tensões e liberações para se chegar à aprovação final, com a passagem em dois turnos nas duas Casas Legislativas.

O passo seguinte, anunciado pelo próprio Governo, é a Reforma Tributária. Mas aí o jogo é bem mais difícil e vai exigir um nível de articulação e negociação muito superior ao que foi visto no episódio da Previdência. Até porque na Previdência tratava-se de impor perdas à grande maioria pobre, despolitizada, ignorante, mal representada no Legislativo e facilmente manipulada, que, tristemente, até apoiou as mudanças sem perceber o que elas realmente significavam. Imagine que um cidadão comum de classe média apoiaria a reforma se soubesse que ela vai lhe exigir 40 anos de contribuição com emprego registrado em carteira para chegar à aposentadoria com salário (baixo) integral. Pois bem, de acordo com algumas pesquisas, como a da Datafolha, ele “entendeu o problema da previdência” e apoiou a mudança.

Diferentemente da Previdência, na questão tributária não estamos mais lidando com pessoas despreparadas e sem capacidade de se defender e acionar seus lobbies dentro do Congresso. Pelo contrário, a briga aqui é de “cachorro grande” e a disputa por se eximir de financiar o Estado vai ser feroz. Claro, há uma preliminar já em marcha na qual estes agentes ainda estão todos do mesmo lado: a redução do tamanho do Estado. Porém, a partir daí, salve-se quem puder.

E a disputa é cruzada. Por exemplo, latifundiários do Nordeste vão defender interesses dos grandes proprietários junto com latifundiários do Sul, mas vão defender vantagens e apoios para o Nordeste “pobre” em detrimento do Sul “rico”. E na questão regional, latifundiários do Sul podem se unir a pequenos proprietários do Sul contra os grandes proprietários do Nordeste. Empresários da indústria têm interesses comuns quanto à tributação, mas os que vendem a maior parcela da sua produção no exterior têm objetivos bem diferentes dos que atuam primordialmente no mercado interno. Outro exemplo: grandes empresas têm interesses comuns quanto à legislação trabalhista, mas o setor financeiro tem problemas distintos dos setores da economia real. Como administrar estes conflitos? Nestes casos, o Presidente da Câmara conseguirá efetivar o elogiado poder de negociação que demonstrou na Previdência? Quais grandes interesses ele vai contrariar?

A Previdência até pode ser entendida como uma primeira etapa da questão maior que é discutir quem financia o Estado. Esta parte está (quase) resolvida. Contudo, só a Reforma da Previdência não resolve o problema do financiamento por inteiro. É preciso bem mais. Não se trata, é claro, de negar a necessidade de uma ampla reforma tributária no Brasil. Todos reconhecem o quanto o sistema é esdrúxulo, disfuncional, ineficiente, causador de insegurança jurídica e desestimulador de investimentos. A questão é decidir quem vai perder e quem vai ganhar com as mudanças, tendo como ponto de partida algumas premissas do atual Governo.

A primeira delas, já referida, é a redução do tamanho do Estado e, portanto, a diminuição da necessidade de financiamento. Até aí só quem perde é o pessoal de baixo da pirâmide, com a redução das políticas públicas; não há tensão no grupo de cima, só apoio. A segunda é não aumentar a carga tributária; e aí já começam as tensões sobre a distribuição do ônus, isto é, quem vai bancar a maior parte do bolo das receitas públicas. A terceira é uma promessa de campanha que atinge a classe média, desonerá-la do Imposto de Renda, com isenção para rendimentos pequenos, alíquotas menores e atualização das faixas da tabela, esta última uma medida administrativa.

O pacote completo não cabe na “planilha” de receitas e despesas públicas, ainda que se reduza o tamanho da estrutura com a diminuição das políticas públicas e a desvinculação das despesas obrigatórias em saúde e educação, o sonho dos liberais. Ou vai faltar receita ou o enxugamento estatal terá que ser ainda maior, mas até esta saída tem limites na capacidade das camadas mais pobres de suportar a ausência do Estado. Testar ainda mais este limite implica risco eleitoral, assunto delicado para quem se lançou precocemente à reeleição.

Não é por acaso que o emaranhado tributário nacional não se resolveu nos últimos anos, apesar de todos reconhecerem a necessidade e a urgência da questão. A escolha de qual “cachorro grande” vai perder esta briga é um passo muito delicado e pode definir o futuro político do Governo.

(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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