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8 de julho de 2019
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11:36

Eles estão chegando

Por
Sul 21
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Eles estão chegando
Eles estão chegando
Bolsonaro e Paulo Guedes. Foto: Isac Nóbrega/PR

Flavio Fligenspan (*)

Várias vezes, nos últimos anos, representantes do governo tentaram convencer a sociedade brasileira de que determinados eventos teriam a capacidade de, ao recuperar a confiança de empresários e consumidores, relançar as bases de um novo ciclo de crescimento. Sabia-se, desde sempre, que estas eram diferentes versões do que antigamente se chamava de “conversa mole”. Lembro de pelo menos três destes eventos: o impeachment de Dilma, a reforma trabalhista de Temer e a introdução da Lei do “Teto de Gastos”.

Neste primeiro semestre de 2019 estamos diante da quarta versão, a reforma da previdência. Ela mostraria a firme intenção do Governo de melhorar o resultado das contas públicas, o que sinalizaria para um reequilíbrio fiscal num horizonte de médio prazo. Tal sinal traria de volta a confiança que está faltando para a decisão empresarial sobre novos investimentos que estimulariam o crescimento da economia.

A exemplo das vezes anteriores, os economistas que não se alinham com o Governo sabem que isto não é verdade. Os economistas que se alinham com o Governo também sabem que isto não é verdade, mas que está chegando a hora de evitar esta desculpa, porque a reforma – alguma reforma – vai passar no Congresso e o crescimento não virá. E aí eles não vão ter como se explicar, a não ser que se recorra mais uma vez ao conhecido subterfúgio de que ainda faltou um pouco mais de intensidade do mesmo remédio para se alcançar o objetivo prometido. As ciências cujos laboratórios são a própria sociedade e que, portanto, não conseguem controlar rigidamente seus experimentos, sempre oferecem esta saída.

Como a realidade da estagnação da economia brasileira logo vai se impor, após a reforma da previdência, alguns dos que defendiam a versão mais recente do choque de confiança já começaram a mudar de lado e admitir que, dadas as condições de letargia da atividade por cinco a seis anos, não é possível voltar a crescer dependendo apenas da política monetária e de reformas microeconômicas que vão dar respostas incertas e nada rápidas. Passam então a pregar publicamente a necessidade de estímulos fiscais, isto é, gasto público que incentive a retomada, este sim, capaz de injetar confiança no setor privado. Aliás, nada de novo na economia brasileira, já que nunca o setor privado saiu na frente; pelo contrário, sempre foi puxado pelos sinais bem nítidos do planejamento e do gasto público.

Pelo menos três economistas que não podem ser classificados como heterodoxos se manifestaram nos últimos meses a favor de uma política de gasto público e/ou relaxamento do teto para tirar o País da crise. São eles Fernando de Holanda Barbosa (em artigo assinado no Jornal Valor, 17.4.2019, p. A13), Monica de Bolle (Jornal Valor, 28.5.2019, p. A4) e Samuel Pessoa (cuja posição é comentada na Carta de Conjuntura do IBRE/FGV de julho, lançada na semana passada). Com variações, todos se alinham com os que dizem que está mais do que na hora de abrir mão de preconceitos e passar a contar com a ajuda da política fiscal para tirar o Brasil da crise.

Mesmo entre os apoiadores do Governo há o receio de que o Presidente perca ainda mais credibilidade, para além das consequências da incapacidade política demonstrada quase diariamente, e que a economia se afunde de tal maneira que a saída se torne cada vez mais difícil. Diante da enorme crise de desemprego, um mínimo de sensibilidade social já seria suficiente para propor algo que dê respostas mais rápidas e consistentes do que esperar pelos efeitos de diversas reformas microeconômicas ainda bem pouco claras.

O Governo se mostra levemente preocupado com o tema, pois desconfia que o tempo político é bem mais curto que o tempo econômico. A perda de apoio popular tem se dado com velocidade significativa. Isto é que faz aparecerem propostas do próprio Governo como o uso do FGTS para estimular o consumo, tal como fez Temer em 2017, e a redução dos compulsórios dos depósitos a prazo no sistema bancário.

São medidas bem diferentes. A primeira é uma tentativa de estímulo ao consumo concentrada no tempo. Faz efeito, mas é pontual e pequeno demais para o tamanho do buraco em que nos encontramos. A segunda faz parte de um projeto maior e correto de destravar o crédito. Tal projeto, como outras ações que têm o mesmo objetivo, já dura alguns anos e vai surtir efeito no futuro. Contudo, a profundidade da crise que estamos vivendo deixa claro que não se trata de um problema de oferecer crédito. Crédito há, o que falta são tomadores dispostos a correr riscos numa conjuntura tão desfavorável, sejam consumidores, sejam empresários que se vêem às voltas com elevada ociosidade nos seus empreendimentos. Tomar crédito prá quê, se não há demanda?

Por isso, estimular a demanda pelo gasto público anticíclico, preferencialmente em obras de infraestrutura e no deprimido setor da construção civil, é fundamental neste momento. As respostas deste tipo de estímulo são grandes, o que já está medido para a economia brasileira. Bem vindos os que estão mudando de opinião e que se juntam aos que apóiam desde sempre tais medidas.

(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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