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10 de junho de 2019
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13:59

“Desmame”: a nova justificativa para a estagnação

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Sul 21
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“Desmame”: a nova justificativa para a estagnação
“Desmame”: a nova justificativa para a estagnação
Ministro da Economia, Paulo Guedes. (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil)

Flavio Fligenspan (*)

Segundo o Comitê de Datação de Ciclos Econômicos da FGV a recente recessão da economia brasileira começou no segundo trimestre de 2014 e terminou no último trimestre de 2016; englobou, portanto, 11 trimestres e gerou uma queda de produção de mais de 8%. Os dois anos seguintes, 2017 e 2018, produziram crescimentos pífios, ambos de 1,1%, e acabaram transferindo a expectativa positiva e a esperança de alguns otimistas para o novo governo a partir de 2019.

Todo novo governo traz consigo a renovação das expectativas, um pensamento natural de “agora vai” que se evidencia pelas pesquisas usuais de expectativas de empresários e consumidores. Com efeito, os índices de expectativas no Brasil mostravam isto desde o segundo semestre do ano passado, quando ainda não se sabia quem venceria as eleições. Contudo, tais indicadores não resistiram aos primeiros meses de realidade do novo governo e logo nos primeiros meses já reverteram seu movimento de alta de maneira impressionante. Assim como subiram na segunda metade de 2018, rapidamente caíram no início de 2019, junto com a credibilidade do governo e pari passu com a revelação da sua incapacidade política.

Este clima de reversão de expectativas se materializou nos indicadores de atividade econômica do início de 2019. No final de maio o IBGE revelou o PIB do primeiro trimestre do ano e apareceu a medida objetiva do que já se sabia, uma estagnação da economia brasileira; na realidade um crescimento levemente negativo (-0,2%) em relação ao trimestre anterior. Numa visão de mais longo prazo, este número significa que neste momento da história estamos produzindo 5% menos do que no primeiro trimestre de 2014, antes de começar a recessão.

Não é preciso dizer muito mais para se ter a noção clara da desgraça em que a sociedade brasileira está metida; cinco anos se passaram, milhares de jovens chegaram ao mercado de trabalho e nós temos menos produção, renda e empregos do que tínhamos antes. O sentimento de frustração é inevitável. Porém se olhar para trás nos deixa preocupados, olhar para frente não melhora muito. As projeções de crescimento para 2019, que no início do ano andavam por volta de 2,5%, rapidamente já foram revistas para menos de 1% e com viés de baixa.

A política econômica de Bolsonaro não tem um bom diagnóstico do problema e, portanto, não tem boas propostas para a solução, preferindo apostar (quase) todas suas fichas numa reforma da previdência que ninguém sabe que tamanho terá e que resultados fiscais poderá produzir. De qualquer forma, é certo que o resultado da reforma, seja qual for, não produzirá o binômio confiança-investimentos que o governo apregoa como base para a retomada do crescimento. Aliás, a reforma não tem esta função e o governo sabe disso, apenas vende a ilusão para ajudar a angariar apoios.

O fato é que há no ar uma sensação de que a equipe econômica sente a pressão da estagnação econômica e se coloca na obrigação de oferecer algo ao governo e à sociedade. Isto já apareceu em ensaios de medidas de incentivo ao consumo, como os estudos para liberação de recursos do FGTS e do PIS/PASEP, tal como Temer havia feito.

Também a pressão sobre o Banco Central para a redução dos juros básicos é crescente, mas juros menores não devem entusiasmar consumidores e empresas diante de um quadro de incerteza muito grande. A utilização de uma política fiscal anticíclica, medida natural em momentos como o que vivemos, é afastada por princípio pela equipe econômica atual, apesar de já começar a ganhar adeptos mesmo nas fileiras dos economistas ortodoxos. É que alguns deles já entenderam o tamanho do problema e sabem que o receituário tradicional não vai resolver, e que o custo social e político só vai crescer.

Para brecar o debate e evitar que posições deste tipo ganhem corpo, o que poderia ser entendido como capitulação, também já começou a reação. Uma de suas formas é argumentar que a política fiscal expansionista é que nos levou à crise, logo deve ser afastada a qualquer custo. Confunde-se aqui, propositalmente, expansão fiscal permanente e descontrolada com política anticíclica pontual para sair do buraco.

Outra forma de brecar o debate é oferecer uma nova interpretação para a dificuldade de reação da atividade econômica. Trata-se de construir a ideia de que a economia brasileira está num período intermediário, de adaptação histórica a um novo modus operandi, com uma redução significativa da presença do Estado. Enquanto o sistema não se acomodar a esta nova forma, isto é, enquanto não passar pela fase do “desmame”, não obterá resultados melhores. E dado que o Estado sempre foi um agente muito importante na economia brasileira, e atua há muitas décadas, o vício é arraigado, logo o “desmame” vai demorar e vai ser doloroso. Ou seja, implicitamente se diz que com a política econômica atual vamos viver uma longa estagnação, mas devemos nos resignar. Curioso é que uma idéia tão cara ao liberalismo e tão singela só tenha surgido para explicar os maus resultados há cerca de dez dias, quando saíram os frustrantes números do PIB e as projeções para o fechamento de 2019 pioraram ainda mais, inclusive contaminando as expectativas para 2020.

(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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