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24 de junho de 2019
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13:32

As metas de inflação e o “duplo mandato” do Banco Central    

Por
Sul 21
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As metas de inflação e o “duplo mandato” do Banco Central    
As metas de inflação e o “duplo mandato” do Banco Central    
Foto: Marcello Casal Jr./Agência Brasil

Flavio Fligenspan (*)                           

O jornal Valor Econômico revelou, na sua edição de 21 de junho, que os votos dos participantes das inúmeras reuniões do Comitê de Política Monetária do Banco Central (COPOM) para a determinação das metas de inflação desde 1999 nunca seguiram critérios técnicos rigorosos e sim a sensibilidade dos seus autores, os eventos da conjuntura econômica brasileira e as metas de países tidos como semelhantes, considerados como parâmetros, tais como o México e o Chile. Tal revelação, que se tornou pública a partir de uma solicitação do jornal, é um excelente registro da história econômica recente do País.

Na metade de 1999, quando adotamos o regime de metas, depois da quebra da “âncora cambial” que havia vigorado nos primeiros quatro anos e meio do Plano Real, poucos países seguiam tal política de controle da inflação. Ela era uma novidade. De lá para cá tal política se “popularizou” e aumentou muito o número de países que a seguem, com variações importantes sobre a meta em si, as margens para se considerar que a meta foi atingida e o horizonte de tempo em que ela deva ser verificada.

Metas mais apertadas restringem a margem de manobra dos Bancos Centrais, exigindo mais aperto da política monetária, em especial a elevação da taxa de juros, quase que o instrumento único do regime. A vantagem de metas mais estreitas, segundo seus defensores, é mostrar um compromisso maior com a inflação sob controle, uma espécie de declaração de maturidade da política econômica como um todo, inclusive sua vertente fiscal. Isto porque, nesta interpretação, gastos públicos elevados constituem aumento da demanda e, portanto, fonte de alta dos preços.

Depois de muitos anos em que a meta no Brasil ficou fixa em 4,5% e a margem era de 2 pontos percentuais para mais ou para menos, isto é, a inflação deveria se manter no intervalo entre 2,5% e 6,5%, o objetivo para 2019 é de 4,25% com margem de 1,5 ponto percentual. Há um caminho já fixado de queda da meta, com 4% para 2020 e 3,75% para 2021. Uma economia anêmica ajuda muito a cumprir o estabelecido; afinal, sem emprego e renda não há consumidores nem empresas dispostas a investir, logo não há pressão sobre os preços. Desde Temer vivemos este ambiente de recessão (2016) e estagnação a seguir. Temer fez uma opção clara por cumprir a meta em detrimento da atividade econômica.

Discute-se nesta semana, na reunião do Conselho Monetário Nacional, qual deve ser a meta para 2022. Há quem argumente que devemos seguir o caminho de redução, o que a rebaixaria para 3,5%, nos aproximando dos parâmetros dos países emergentes que tem tido sucesso no controle da inflação. A preocupação com o tema do crescimento joga no sentido oposto, pois uma meta menos dura abriria espaço para juros não tão pressionados. Para quem acompanha a visão de mundo do Ministro Paulo Guedes, a aposta mais provável é pela redução da meta, ainda que a economia brasileira tenha características especiais que a diferem dos parceiros em desenvolvimento, tal como a persistência de mecanismos formais e informais de indexação, mesmo depois de 25 anos do Plano Real.

Este debate remete a outro, muito próximo e a meu ver muito mais importante, o do chamado “duplo mandato” do Banco Central (BC), qual seja, o BC deve se preocupar essencialmente em atingir a meta de inflação ou deve buscar uma combinação entre inflação e crescimento? O tema tem sido discutido no âmbito da proposta de independência do BC e a tendência do Governo é restringir a preocupação apenas à inflação, o que deixa o BC numa posição cômoda.

Tal como Temer fez, perseguiu a meta de inflação e pouco se preocupou com o crescimento, que ficou estagnado em 1,1% em 2017 e em 2018. Combinadas com a recessão de 2014 a 2016, estas taxas nos legaram um nível de PIB que é hoje 5% menor do que já produzimos no início de 2014. Não é por acaso que a taxa de desemprego não cede há anos. No momento em que se ficou sabendo que os votos na história do COPOM não seguiram critérios eminentemente técnicos, olhando apenas o comportamento do índice de preços, me parece importante que se atribua ao BC uma dose de compromisso e sensibilidade social com o tema do crescimento e do emprego.

(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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