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13 de maio de 2019
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13:37

Muito além do limite fiscal

Por
Sul 21
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Consumo está travado pela alta taxa de desemprego. (Foto: Arquivo/Agência Brasil)

Flavio Fligenspan (*)

Quando o ano de 2019 começou as projeções de crescimento da economia brasileira giravam em torno de 2,5%, nada muito alvissareiro diante da expressiva queda do biênio recessivo (2015-2016) e da frágil expansão de 1,1% em 2017 e novamente 1,1% em 2018. Em pouco tempo, a falta de fôlego da retomada da atividade e as trapalhadas políticas do Governo fizeram esmorecer o pouco ânimo de consumidores e empresários e já neste meio do mês de maio as projeções recuaram bastante, para algo próximo a 1%.

A combinação entre a decepção de muitos que votaram em Bolsonaro e a nítida desorganização do Governo reduziu rapidamente parte do capital político do Presidente e gerou grande desconfiança sobre sua capacidade de levar adiante seus planos. Tal ambiente de incerteza diminuiu ainda mais as chances de recuperação da economia, alimentando um círculo vicioso de dúvidas e resultados fracos, com indicadores muito ruins quanto ao emprego, produção industrial e vendas do comércio.

O consumo está travado pela elevada taxa de desemprego, pela insegurança de quem está empregado e não sabe como será o futuro imediato, pela alta inadimplência e pelo comprometimento da renda com planos de crediário ainda em andamento. A prudência, a responsabilidade e as consequências ruins das decisões erradas do passado recente seguram as opções de consumo.

O investimento é a variável que mais sofre nestes períodos de incerteza e de vendas fracas e ociosidade grande. Não há como pensar em inversões produtivas num ambiente econômico deteriorado em que ninguém é realmente capaz de projetar o ponto final da crise. Nestes casos nem adianta oferecer crédito e rebaixar juros; se não há expectativa de mercado e as plantas estão com capacidade subutilizada, as empresas não investem.

Do setor externo é que não se pode esperar nenhum sopro de crescimento. Além de o comércio internacional ser muito pequeno no Brasil, o mercado externo não vive exatamente um tempo de euforia; bem pelo contrário, o momento é de desaceleração nos países líderes e os conflitos comerciais causados pela administração Trump não ajudam a melhorar a situação.

Das variáveis macroeconômicas que compõem a renda restou olhar para o gasto público. Este está bloqueado, ou melhor, este puxa para trás, seja por resultados fiscais deficitários, seja, principalmente, pela opção política de não contar com nenhum incentivo desta ordem para reativar a economia. A ordem é exatamente a oposta, cortar o possível e o impossível para gerar melhor resultado fiscal, com a justificativa de que a recuperação dos superávits primários traria credibilidade de médio prazo e, com isso, ajudaria a relançar os investimentos privados.

Diante deste quadro, o Governo deu sinais de preocupação; um deles foi o anúncio do estudo para a liberação de recursos do FGTS, tal como fez Temer em 2017, para tentar incentivar o consumo. A medida de 2017 até teve um sucesso pontual em relação ao consumo, mas não foi suficiente para dar fôlego à retomada. O problema é que no curto prazo não há de onde tirar estímulos. Para onde se olha, tudo está parado, como se cada agente estivesse à espera das decisões dos outros, e ninguém sai do lugar.

O Governo tenta aproveitar o clima ruim para forçar o andamento mais rápido da sua reforma da previdência, argumentando que ela traria a confiança necessária para a retomada. Quem faz contas, minimamente, não vê esta relação, já que a reforma a ser aprovada, por mais parecida que seja com a proposta do Governo, só daria respostas objetivas daqui a alguns anos. E o problema da economia está no “motor de arranque”, é de curto prazo.

A situação tornou-se tão crítica que até mesmo vozes conservadoras começam a admitir publicamente o relaxamento da restrição ao uso da política fiscal como inventivo à retomada. Nada muito ousado, não fosse o status de dogma adquirido pela contenção do gasto público na sociedade brasileira nos últimos anos. As sugestões são apenas no sentido de usar a política fiscal para fazer o motor “pegar no tranco”, fazer a roda da economia começar a girar novamente no curto prazo, isto é, ajudar a sair do marasmo. Logo a seguir voltaríamos à situação de contenção fiscal, inclusive com resultados melhores a partir da reativação econômica, acompanhada naturalmente pela recuperação da receita com impostos que vem junto com a retomada.

Quando economistas de pensamento conservador, alinhados com o dogma da contenção fiscal a qualquer preço, admitem relaxar a restrição temporariamente, é porque fomos muito além do limite razoável. E eles têm bem clara a influência da economia na política.

(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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