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27 de maio de 2019
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13:44

Consumidor inseguro, vendas não decolam

Por
Sul 21
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Consumidor inseguro, vendas não decolam
Consumidor inseguro, vendas não decolam
Foto: Joana Berwanger/Sul21

Flavio Fligenspan (*)

Normalmente, a análise de conjuntura se constrói com base em um rol de indicadores que, relacionados no arcabouço de um modelo teórico, fornecem explicações sobre o passado recente e permitem que se façam projeções incertas sobre o futuro. É voz corrente que os economistas não se entendem nem sobre o passado, que dirá sobre as perspectivas futuras, mas, de qualquer forma, faz parte das atribuições de quem trabalha com conjuntura prospectar o futuro, pelo menos no curto prazo.

Um dos problemas desta tarefa é lidar com indicadores que apontam em sentidos opostos. Quando tudo aponta no mesmo sentido, seja para interpretar o passado ou para projetar o futuro, o trabalho fica mais fácil e menos arriscado. Porém, quando isto não acontece e os indicadores não estão errados, a situação se complica. Nestes caos, há que se rever a teoria, pensar em explicações diferentes das usuais ou tentar verificar se não se está vivendo um momento de reversão do ciclo, de crescimento para queda ou vice versa. Momentos como estes costumam produzir indicadores desencontrados, por vezes confundindo o analista.

A análise das variáveis que explicam o consumo recente das famílias brasileiras traz dificuldades deste tipo. Por um lado há indicadores que apontam no sentido de uma retomada do consumo, mas por outro há movimentos no sentido contrário. Dois indicadores positivos são a diminuição da inadimplência e do comprometimento da renda mensal com o serviço da dívida – amortizações e juros.

Depois de um longo ciclo de endividamento que começou ainda em 2010, quando as famílias brasileiras se perderam na administração de suas contas e foram além do que seus orçamentos permitiam, o gráfico da taxa de inadimplência fez um movimento em forma de U, primeiro cresceu até o final de 2012 e depois caiu até o início de 2015. O problema é que justamente neste momento a recessão que já havia começado em 2014 começou a bater no mercado de trabalho e pegou as famílias desprevenidas e com compromissos por saldar. A combinação entre piora do mercado de trabalho (desemprego) e inflação mais alta gerou um novo ciclo de inadimplência que começou a se resolver apenas a partir do final de 2016. Estima-se que a liberação de recursos do FGTS tenha ajudado a explicar este movimento. O fato é que a inadimplência vem caindo desde 2016 e hoje está num nível considerado baixo, e o comprometimento da renda, se não é dos menores da série histórica, caiu em relação ao passado recente. São, portanto, indicadores positivos.

Outra variável positiva é o aumento do volume de crédito para pessoas físicas desde a metade de 2018, viabilizando a compra de bens duráveis, os de valor unitário mais elevado e que, portanto, dependem de crédito para serem adquiridos.

Por outro lado, o estoque de dívidas das famílias voltou a crescer desde o final de 2017. Observe-se que não há contradição entre menor comprometimento da renda mensal com prestações e maior endividamento. Pelo contrário, houve muitas renegociações de dívidas passadas, reduzindo seu valor e repactuando prazos de pagamento mais longos. Ou seja, as prestações ficaram menores, mas o número de parcelas cresceu, esticando o comprometimento no tempo. Este é um mau indicador quando se pensa em aumentar as vendas. Junto com um mercado de trabalho ainda muito ruim, com elevado desemprego e pressão baixista sobre os rendimentos, cria-se um ambiente em que as famílias têm receio de assumir novos compromissos.

Tal receio aparece claramente no índice de confiança do consumidor (expectativas) dos primeiros cinco meses deste ano. Este índice revela a confiança não em relação ao presente, mas sim em relação ao futuro. Desde as vésperas da eleição do ano passado este índice subiu continuamente, mostrando a expectativa de dias melhores com um novo governo; este é um movimento típico de períodos eleitorais e primeiros meses de governo, quando as esperanças se renovam. No entanto, desde a virada do ano a confiança no futuro caiu continuamente, junto com a popularidade do Presidente, revertendo uma variável importante para a retomada das vendas do comércio.

É interessante observar que a estratificação da pesquisa por faixa de renda revela que quanto menor a renda, menor o binômio confiança-expectativa, algo bem previsível, dado que as famílias de menor renda são as que mais temem o desemprego, pois são as que têm menos meios de se proteger de um percalço orçamentário e as que mais necessitam de uma precária rede de proteção social.

Enfim, os indicadores desencontrados demonstram a dificuldade do momento e a dificuldade de se produzir a análise da conjuntura. O problema é que eles também deixam claro que a saída deste período de crescimento frágil não está próxima e que não deve ser pelo lado do consumo que ela vai se dar. Pelo contrário, o consumo só vai melhorar quando um mercado de trabalho mais pujante oferecer segurança aos trabalhadores de que haverá emprego e renda para pagar os compromissos assumidos.

(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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