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20 de maio de 2019
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13:14

Bateu o desespero?

Por
Sul 21
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Bateu o desespero?
Bateu o desespero?
Ministro da Economia, Paulo Guedes (Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil)

Flavio Fligenspan (*)

Bateu o desespero, será? E não me refiro ao clima de instabilidade política que o Governo enfrenta, em grande parte fabricado por ele mesmo. Refiro-me mais diretamente à economia – claro, sempre casada com os eventos políticos – que não dá boas respostas desde o início do ano e já oferece a expectativa de frustrar as projeções naturalmente otimistas de qualquer início de governo. Lembrando, na virada de 2018 para 2019 o mercado financeiro apostava em taxa de crescimento do PIB de 2,5% para este ano, recuperação da produção e das vendas, com repercussão positiva sobre o mercado de trabalho. Melhor ainda, estes resultados seriam possíveis com inflação sob controle e nenhum percalço em relação às contas externas.

A recessão terminada no final de 2016 e o ínfimo crescimento do biênio 2017-2018 ofereciam uma folga para estas projeções se concretizarem sem muito esforço; afinal, sempre é mais fácil crescer a partir de uma base fraca. Contudo, bastaram menos de cinco meses para o quadro se inverter e causar um enorme desconforto na equipe econômica. Tanto pior que o clima ruim da economia se soma com o ambiente deteriorado da política, amplificando os resultados negativos. A projeção de crescimento do PIB já está abaixo de 1,5%, na verdade mais perto de 1%, a produção industrial e as vendas do comércio não reagem e o desemprego não cai.

A defesa do Governo poderia argumentar que cinco meses é pouco tempo para fazer uma economia moribunda sair do buraco, buraco criado pelos governos anteriores. Trata-se do apelo sempre válido à herança maldita, que neste caso é bem verdadeira. Mas não é disso que se trata; não é uma questão de dar o tempo necessário à reação, e sim de verificar que não há plano em marcha para a retomada. O Governo jogou todas as suas fichas na reforma da previdência e prometeu o que ela não pode entregar, um ajuste rápido nas contas públicas, somado à recuperação da confiança empresarial que geraria um surto de investimentos.

Na melhor das hipóteses, qualquer reforma da Previdência que o Congresso aprove não trará resultados fiscais significativos no curto prazo e não entregará a perspectiva de estabilidade fiscal imaginada. O que pode mudar a equação fiscal é o crescimento e este não virá por caminhos não objetivos, baseados no discurso da recuperação da confiança. Como não veio com o impeachment de Dilma em 2016, com a Lei do Teto de Gastos nem com a reforma trabalhista de 2017. Todos estes eventos traziam a mesma mensagem, da recuperação da confiança empresarial e da reação dos investimentos e da inevitável expansão do PIB.

Contudo, nestes momentos recentes, tal como agora, os agentes econômicos privados, tomadores de decisão, estão à espera de sinais concretos que não vêm deles próprios. Ninguém se arrisca a puxar o movimento de retomada, pois lhes falta justamente confiança; mas não a confiança do discurso governamental, e sim a que deriva de firmes projeções de expansão do mercado consumidor. Neste momento nem se trata de rebaixar mais os juros – o que sempre ajuda –, pois não adiantam juros baixos, se não houver mercado. Empresários não investem apenas olhando o custo do capital. Baixo custo do capital favorece ampliar ou construir capacidade produtiva, mas há que se ter consumidores para transformar mercadoria em dinheiro.

Quando o setor privado se mostra ressabiado e recolhido, resta o investimento público fazer o papel último de comandar o movimento de retomada. O problema é que tal saída, natural nas economias capitalistas e no passado brasileiro, está bloqueada pelo discurso do equilíbrio fiscal acima de tudo. Reconheço erros do passado em relação a este tema, mas o marasmo persistente da economia brasileira exige uma atitude mais firme do Governo sob pena de seguirmos flertando com a estagnação e a crise social.

Transformar este assunto em dogma não ajuda a sair da crise que se prolonga. O mercado financeiro, sempre muito ágil e à espreita de oportunidades, já se manifestou, puxando a taxa de câmbio para cima e fazendo recuar o índice da bolsa de valores. São apenas dois sinais claros de um movimento maior. Em reação, o Banco Central anunciou para esta semana intervir no câmbio, para segurar o movimento altista, a despeito do discurso de que a taxa de câmbio no Brasil é flutuante desde a instituição do sistema de metas de inflação em 1999. O Governo prometeu liberar mais recursos do FGTS para estimular o consumo, tal como fez Temer em 2017, e estudar a implantação de um sistema de hipoteca reversa de imóveis, em que o proprietário recebe uma renda mensal até a sua morte, quando o imóvel hipotecado passa a pertencer ao sistema financeiro. Pequenas medidas para tentar driblar uma crise que se torna cada vez maior. E a equipe econômica não dá mostras de dominar a situação.

(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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