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1 de abril de 2019
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11:31

Crescimento frustrado, de novo

Por
Sul 21
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(MAN / Divulgação)

Flavio Fligenspan (*)

Terminado o primeiro trimestre do ano, já está definido um quadro de revisão generalizada para baixo das projeções inicias de crescimento para 2019. Tanto o Relatório Focus – opinião média dos operadores do mercado financeiro –, quanto as associações empresarias e o próprio governo já deram por perdidas as expectativas de uma retomada um pouquinho mais consistente da atividade.

E veja-se que não era nada difícil chegar aos mais ou menos 2,5% de crescimento do PIB projetados em janeiro para este ano, visto que a base de comparação é muito pequena. Depois dos dois anos da mais forte recessão da história do País (205-2016), com perdas acumuladas de mais de 7% do PIB, o biênio seguinte (2017-2018) apresentou expansão de apenas 2,2%. Logo, há um enorme espaço para crescer, seja pela simples análise estatística, seja pela folga de recursos no mercado de trabalho e de capacidade produtiva, sobretudo na indústria.

O que falta, então? Capacidade de reorganização institucional em várias frentes, melhora da confiança de consumidores e empresas e, se fosse possível – mas não é –, a quebra de alguns preconceitos, como a necessidade de o Estado participar mais ativamente de alguns investimentos, induzindo e estimulando a iniciativa privada. O fato é que os primeiros noventa dias do Governo Bolsonaro, por desorganização, por falta de clareza do projeto governamental e por enorme inabilidade nas negociações, conseguiram rebaixar as projeções de crescimento para a faixa dos 2% neste momento. Este é o número do próprio Banco Central, desde a revisão divulgada na semana passada; e há quem projete menos.

Os motivos do rebaixamento são vários, desde os que fogem completamente do controle, como a frustração de safras agrícolas e a redução da produção mineral a partir do acidente em Brumadinho, até os que deveriam estar sob controle e não poderiam acontecer, como a desorganização interna do Executivo, a péssima relação com o Legislativo e as falhas de comunicação do Governo com a sociedade, emitindo sinais desencontrados e anunciando medidas que são revistas logo a seguir. Isto passa uma idéia de falta de projeto e de coordenação, resumindo, falta de força e objetividade, exatamente o oposto do que o setor privado precisa para tomar decisões de investimento que ajudem a retomada.

Se é verdade que não se esperava um governo organizado, até mesmo pela composição de forças políticas tão díspares e tão pouco preparadas para a tarefa, também é verdade que surpreendeu o grau de desorganização e a demonstração de tamanha inépcia administrativa. O fato é que o acúmulo de erros já deixou suas marcas sobre o desempenho de 2019, pois retardou decisões empresarias e causou suficiente apreensão para colocar muitos projetos à espera de um ambiente mais definido.

Uma das poucas pontas que está em andamento é a das concessões preparadas pelo governo anterior em diversas áreas de infraestrutura, como aeroportos e estradas. Isto, certamente, vai ajudar a retomar obras de construção pesada e incentivar o emprego direto e indireto nos setores fornecedores dessas concessionárias, como os de bens de capital e de serviços de engenharia. Mas isto não basta; um país pobre e com um aparato de amparo social cada vez mais frágil, sobretudo em tempos de desregulamentação do mercado de trabalho, precisa criar muito mais vagas de emprego e gerar mais renda.

Não é gerando um clima de beligerância com o Congresso e com parte significativa da sociedade que se vai conseguir melhorar a economia e a vida das pessoas. Muito menos estocando adversários políticos pelas redes sociais. Não por acaso, entidades empresariais começam a chamar o Vice-Presidente para conversar sobre o futuro do País. E também não por acaso ele comparece e se mostra cordial, aberto ao diálogo e, numa inversão completa em relação à sua postura nos tempos da campanha eleitoral de 2018, muito respeitoso com as posições divergentes. A ala militar do Governo é organizada, entende bem o estrago que já aconteceu nestes primeiros três meses e sabe que o ambiente que se criou tem que ser revertido, sob pena de comprometer não só a economia, mas também o seu próprio prestígio. Até porque as projeções para o crescimento de 2020 hoje ainda estão em 2,8%, mas podem cair.

(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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